Agostinho Rosa - 21/07/2003
Uma das mais faladas e menos entendidas "verdades" da atual era científico-tecnológica, que modela o comportamento humano desde o início do século passado, é a teoria da relatividade, inicialmente formulada por Albert Einstein e depois desenvolvida por uma série de cientistas de nível Prêmio Nobel. E não é para menos. Uma teoria que pretende explicar a origem e o comportamento de todo o Universo é algo de fato hermético e difícil de se transmitir ao grande público.
Mas os cientistas, com suas fórmulas e cálculos quase ininteligíveis para os não-versados no assunto, continuam em sua incessante busca de comprovação de suas teorias. Teorias estas que, embora difíceis de se entender, procuram respostas para questões presentes no imaginário de cada ser humano: o Universo é eterno? Ou será que ele teve um início e terá um fim?
Não deixa de ser motivo de orgulho saber que o Brasil encontra-se no centro de uma discussão que busca verdades tão fundamentais, cujas respostas poderão alterar não apenas a forma como vemos o mundo, mas a forma como interagimos com ele, como o entendemos e como melhor poderemos dele usufruir.
Começa hoje (21/07) no Rio de Janeiro, o 10º Marcel Grossman Meeting, o mais importante evento mundial no campo da Física do Espaço, Astrofísica, Cosmologia e Gravitação. O evento, que irá até o dia 26, é promovido pelo International Center for Relativistics Astrophisics (Icra) e acontecerá sob o patrocínio do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF/MCT).
O encontro, que acontece a cada três anos, é fechado aos participantes inscritos e reunirá cerca de 450 cientistas de 70 países. Mas duas palestras serão abertas ao público, a primeira das quais a ser proferida pelo presidente do Icra, Remo Ruffini, da Universidade de Roma, considerado o maior especialista do mundos em buracos negros. A outra palestra aberta será dada por Mário Novello, do CBPF, com o tema "Big-Bang versus Universo Eterno".
O momento não poderia ser mais adequado. A décima versão desse encontro precede o lançamento, a ser feito em novembro deste ano, do satélite de pesquisas Gravity Probe B (Sonda Gravitacional B), que pretende fazer medições extremamente precisas, buscando evidências da validade da teoria da relatividade de Einstein. Não é para menos que os cientistas estão ansiosos pelos resultados das medições do satélite: estas medições poderão fazer nada menos do que lançar por terra os pilares da Astrofísica, desmentindo lições aprendidas por estes cientistas desde que chegaram aos bancos escolares.
Testando Einstein
As teorias de Einstein tornaram-se a base teórica sobre a qual nasceram novos campos de estudos, como a própria Astrofísica, e novas formas de se entender o Universo. Embora várias técnicas tenham sido desenvolvidas para se verificar diversas dessas teorias, a própria natureza dos campos de estudo que gravitam em torno da teoria da relatividade dificulta ou mesmo torna impraticável a verificação experimental, fazendo com que essas disciplinas permaneçam densamente teóricas.
As técnicas desenvolvidas para se fazer os experimentos e observações envolveram a criação de equipamentos para medições de energia em diversos comprimentos de onda, desde o espectro visível até os raios-X e gama. Embora diversos equipamentos, sensores e sistemas de antenas tivessem sido desenvolvidos para a realização de experimentos e medições a partir do solo, foi a possibilidade de utilização das missões espaciais para a realização desses experimentos que deu maior impulso aos estudos, permitindo também o nascimento de disciplinas novas, como a Astrofísica Relativística.
Mas, por mais incrível por possa parecer, o elo mais fraco dessa corrente de verificações experimentais continua sendo a própria teoria da relatividade de Einstein, o pilar sobre o qual foram construídas todas as demais. Este é exatamente o objetivo do satélite Gravity Probe B: testar o espaço-tempo quadridimensional de Einstein.
Além da deformação do espaço-tempo pela gravidade, base da teoria da relatividade de Einstein, o laboratório espacial procurará também por evidências da teoria desenvolvida pelos austríacos Joseph Lense e Hans Thirring, segundo a qual um objeto de grande massa em rotação poderá deformar ou arrastar o espaço-tempo ao seu redor. A Terra é um corpo celeste de dimensões nada desprezíveis. Seria possível então, medir-se a variação do espaço-tempo que seria causada pela ação do campo gravitacional da Terra.
Gravity Probe B
Em 1.960, o físico Leonard Schiff defendeu a idéia de que a presença do espaço-tempo poderia ser verificada com a utilização de giroscópios. Seguindo apenas as Leis de Newton, um giroscópio situado na órbita terrestre deverá ficar perfeitamente fixo. Mas se, conforme diz Einstein, o espaço-tempo curva-se pela ação de uma força gravitacional, o giroscópio, devido à sua inércia natural, deverá mover-se com ele.
Isso foi há 43 anos. Mas não foi falta de curiosidade que fez com que os cientistas esperassem quase meio século para fazer o que poderá ser a maior experiência científica de todos os tempos. Na verdade, eles estão tentando viabilizar esta experiência desde 1.964. Já foram gastos US$650 milhões naquele que já é o mais longo projeto da era espacial. Mais de noventa estudantes já se tornaram doutores ajudando a encontrar soluções para viabilizar a missão.
A Gravity Probe B mede 7 metros de altura por 2,80 de largura e pesa 3.400 quilos. Embora não se destaque pelo tamanho, sendo pequena se comparada com vários satélites artificiais, todos os equipamentos a bordo da sonda são os mais precisos já feitos pelo homem.
Depois de tantos anos de trabalho, físicos e engenheiros de diversas especialidades conseguiram construir as mais perfeitas esferas já construídas pelo homem. Feitas de quartzo e recobertas com nióbio, elas são o coração do mais perfeitos giroscópios já feitos. Esses giroscópios funcionarão num vácuo quase perfeito. No interior de uma câmera capaz de manter 2.300 litros de hélio líquido resfriado a uma temperatura próxima ao zero absoluto por dois anos, ficarão os equipamentos, que não poderão sofrer ação nem mesmo de vibrações mínimas da própria sonda.
Além dos quatro giroscópios, a sonda é composta por um telescópio e equipamentos de comunicação. O princípio de funcionamento do conjunto, em comparação com a importância do que ele irá pesquisar, é bastante simples.
O telescópio será perfeitamente alinhado com o eixo dos giroscópios e apontará para uma estrela distante. Se o Universo funcionar conforme as Leis de Newton, o telescópio e os giroscópios permanecerão apontados para sempre para a mesma estrela. Mas se o Universo funcionar conforme a teoria da relatividade de Einstein, os giroscópios deverão alterar sua posição, deixando de apontar para a estrela. Sensores ultra-precisos se encarregarão de medir para onde o eixo dos giroscópios está apontando. Os equipamentos da sonda calcularão então o ângulo entre o ponto para qual o telescópio aponta e ponto para o qual o eixo dos giroscópios aponta.
Segundo os cálculos de Schiff, após um ano em órbita, o ângulo deverá ser de 42 miliarcos de segundo. Para perceber o quanto é pequena essa diferença, basta ver que, se duas linhas partirem de um mesmo ponto, uma com um ângulo de 42 miliarcos de segundo da outra, elas teriam que percorrer 7.200.000 metros para que ficassem distantes uma da outra o equivalente à altura de um homem. Medir tão diminuta diferença é o trabalho da Gravity Probe B.
O mais interessante de tudo é verificar que, após tanto esforço e tanta dedicação, provavelmente não se encontre facilmente um cientista que aposte em um resultado que venha a desmentir Einstein.