Redação do Site Inovação Tecnológica - 03/03/2023
Superpropulsão
A natureza está fornecendo aos engenheiros ideias para construir mecanismos e motores dotados de uma capacidade inédita: a superpropulsão.
A superpropulsão é um princípio até hoje demonstrado apenas em sistemas sintéticos, nos quais um projétil elástico recebe um incremento de energia quando o momento do seu lançamento bate precisamente com a temporização do projétil, mais ou menos como um mergulhador ajusta seu salto ao movimento do trampolim.
Elio Challita e Saad Bhamla, do Instituto de Tecnologia da Geórgia, nos EUA, fizeram sua descoberta no jardim, ao observar um inseto fazendo xixi.
Não é comum ver uma cena dessas, mas o que chamou a atenção é que a cigarrinha (Cicadellidae Proconiini) primeiro cria uma gotícula quase perfeitamente esférica, e então a arremessa a uma velocidade tão grande que, a olho nu, parece que a gota sumiu instantaneamente.
A dupla então capturou algumas cigarrinhas e voltou para o laboratório, onde vídeos de alta velocidade e microscopia ajudaram a revelar precisamente o que acontece na cauda do inseto.
Aceleração de 40G
A primeira coisa que os pesquisadores identificaram foi o papel desempenhado por uma ferramenta biofísica muito importante, chamada "estilete anal".
Quando a cigarrinha quer fazer xixi, o estilete anal sai de sua posição neutra, girando para trás para abrir espaço, enquanto o inseto ejeta o líquido até formar uma gota. Quando a gota se aproxima de seu diâmetro ideal, o estilete gira mais para trás, cerca de 15 graus e, então, como os arremessadores em uma máquina de fliperama, lança a gota a uma velocidade incrível.
A gotícula pode acelerar mais de 40 Gs - 10 vezes mais do que os carros esportivos mais rápidos. E, curiosamente, a velocidade da gotícula que sai voando é 1,4 maior do que o movimento do próprio estilete. É aqui que está a superpropulsão, que a equipe acredita ocorrer porque o estilete comprime as gotículas, armazenando energia pouco antes do lançamento devido à tensão superficial.
"Nós nos demos conta de que esse inseto desenvolveu efetivamente uma mola e uma alavanca para formar uma catapulta, e que é capaz de usar essas ferramentas para lançar gotas de xixi repetidamente em altas acelerações," disse Challita.
Aplicações práticas
Combinando biologia, física e engenharia, esta pesquisa, guiada pela curiosidade, tem implicações em diversos campos.
Compreender o papel da excreção no comportamento, tamanho e evolução animal pode ter aplicações para a ecologia e a dinâmica populacional. E isso pode ter uma importância de bilhões de dólares quando se leva em conta que as cigarrinhas são uma das principais pragas agrícolas, e qualquer dica para controlá-las pode ser literalmente a salvação da lavoura.
Estudar como as cigarrinhas usam a superpropulsão também pode fornecer informações sobre como projetar sistemas que superem a adesão e a viscosidade com menos energia. Um exemplo são os eletrônicos vestíveis com ejeção de água de baixa potência, como um relógio inteligente que usa vibrações do alto-falante para repelir a água do dispositivo.
"O assunto deste estudo pode parecer excêntrico e extravagante, mas é a partir de investigações como esta que obtemos uma visão dos processos físicos em escalas de tamanho fora da nossa experiência humana normal," acrescentou a professora Miriam Ross. "O problema que as cigarrinhas têm de resolver é comparável a tentarmos jogar fora um globo de xarope do tamanho de uma bola de praia que tivesse ficado preso em nossa mão. O método eficiente que esses pequenos insetos desenvolveram para resolver o problema pode levar a soluções bioinspiradas para remover solventes em aplicações de microfabricação, como eletrônica, ou derramar água rapidamente de superfícies estruturalmente complexas."