Redação do Site Inovação Tecnológica - 02/09/2022
Simulador quântico
Uma equipe dos EUA e do Japão usou átomos cerca de 3 bilhões de vezes mais frios do que o espaço interestelar para abrir um portal para um reino inexplorado de magnetismo quântico.
"A menos que uma civilização alienígena esteja fazendo experimentos como esse agora, sempre que esse experimento está sendo executado na Universidade de Quioto, ele está produzindo os férmions mais frios do Universo," disse Kaden Hazzard, membro da equipe.
Os férmions são as partículas de matéria, como os elétrons, prótons, quarks e neutrinos, contrastando com os bósons, a família dos fótons, glúons, mésons etc.
A equipe aprimorou uma técnica já conhecida, chamada resfriamento a laser, para resfriar átomos do elemento itérbio a 1,2 nanokelvin - um bilionésimo de grau acima zero absoluto, a temperatura inatingível onde todo movimento pára.
Nessa técnica, os fótons do laser são absorvidos pelos átomos, fazendo com que eles atinjam um estado de energia mais alto. Os átomos então emitem fótons e decaem espontaneamente de volta ao seu estado inicial. Como essa interação depende da velocidade dos átomos, e como os fótons lhes conferem momento, repetir muitas vezes esse ciclo de absorção-emissão leva ao resfriamento dos átomos.
Os mesmos lasers também são usados para restringir o movimento dos átomos, prendendo-os em treliças ópticas, canais de luz 1D, 2D ou 3D, que podem servir como simuladores quânticos, capazes de resolver problemas complexos além do alcance dos computadores convencionais.
"A recompensa de ficar tão frio é que a física realmente muda. A física começa a se tornar mais mecânica quântica e permite que você veja novos fenômenos," disse Hazzard.
Modelo de Hubbard
O objetivo de tanto frio é estudar o comportamento magnético e supercondutor dos materiais, especialmente aqueles em que as interações entre os elétrons produzem um comportamento coletivo, um pouco como as interações coletivas de torcedores de futebol fazem a famosa "onda" em estádios.
A equipe usou as armadilhas ópticas para simular um modelo de Hubbard (John Hubbard, 1931-1980) , idealizado para capturar os ingredientes mínimos que definirão por que materiais sólidos se tornam metais, isolantes, ímãs ou supercondutores.
O modelo de Hubbard simulado em Quioto tem uma simetria especial conhecida como SU(N), onde SU significa grupo unitário especial - uma forma matemática de descrever a simetria - e N denota os possíveis estados de spin das partículas no modelo. Quanto maior o valor de N, maior a simetria do modelo e a complexidade dos comportamentos magnéticos que ele descreve.
Os átomos de itérbio têm seis possíveis estados de spin, sendo este simulador o primeiro a revelar correlações magnéticas em um modelo SU(6) de Hubbard, que são impossíveis de calcular mesmo nos mais poderosos supercomputadores, o que demonstra que os simuladores quânticos merecem toda a expectativa que se formou em torno deles - o simulador oferece aos físicos a chance de aprender como esses sistemas quânticos complexos funcionam observando-os em ação.
Dos ímãs aos supercondutores
Montar um modelo SU(6) significa que a equipe dispõe de seis spins para manipular em cada átomo, o que lhes permite criar ímãs quase "fundamentais" - simples o bastante para que seus detalhes mais íntimos sejam estudados.
Mas é tudo tão complexo que a física ainda não dispõe das ferramentas necessárias para medir todas as correlações entre os átomos no experimento, o que significa que eles ainda não entendem bem o que está acontecendo. O que deu para ver é que os átomos não ficam nem ordenados e nem em padrões aleatórios, mas em sistemas correlacionados, embora não seja ainda possível isolar uma dessas correlações individualmente. Mas é lá que os físicos pretendem chegar.
"Esses sistemas são bastante exóticos e especiais, mas a esperança é que, ao estudá-los e compreendê-los, possamos identificar os principais ingredientes que precisam estar presentes em materiais reais," disse Hazzard.
E o prêmio para isso pode ser valioso, já que alguns físicos acreditam que são correlações exóticas como essas que acontecem nos supercondutores, os materiais que conduzem eletricidade sem resistência.