Agência USP - 27/09/2004
Uma forma de remediar solos contaminados pelo herbicida atrazina, utilizando técnicas da indústria farmacêutica, está sendo desenvolvida pela professora Julieta Mieko Ueta, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da Universidade de São Paulo (USP).
Ela conseguiu isolar microrganismos redutores de atrazina e condensá-los em microcápsulas, formando uma espécie de biomedicamento - em que o princípio ativo, ao invés de uma substância química, é um ser vivo.
Em parceria com o CNPMA (unidade Meio Ambiente da Embrapa, localizada em Jaguariúna-SP), Ueta coletou mensalmente, durante dois anos, amostras de solo de fazendas da região de Ribeirão Preto. "Escolhemos uma propriedade monocultora, produtora de cana-de-açúcar - cultivo que demanda larga aplicação de atrazina", explica a pesquisadora.
Em laboratório, ela mediu o impacto do uso do herbicida sobre a biodiversidade bacteriana do solo. "As bactérias, além de metabolizarem materiais orgânicos e contribuírem para a fertilidade do terreno, conseguem biodegradar substâncias xenobióticas, como pesticidas e herbicidas. No entanto, quando a aplicação do herbicida é exagerada, a capacidade biorremediadora da população microbiana é reduzida, com conseqüente prejuízo à qualidade do solo e do ambiente", diz.
A atrazina é um herbicida triazínico, empregado largamente na agricultura para o controle de ervas daninhas. "Estima-se que a cultura canavieira no Brasil vem consumindo acima de 20 mil toneladas desse tipo de substância por ano", afirma Ueta. O dado é preocupante na medida em que a atrazina, graças ao seu alto potencial de escoamento e elevada persistência nos solos, é um potencial contaminador da água.
Essas características ganham maiores proporções na região de Ribeirão Preto (SP), onde se localiza um dos pontos de afloramento do Aqüífero Guarani. "Durante o processo de poluição, a atrazina infiltra-se no solo, podendo atingir lençóis freáticos", explica a pesquisadora. "Analisamos amostras da água do Aqüífero e não encontramos indícios concretos de contaminação. No entanto, como a atrazina é amplamente usada nas culturas de cana-de-açúcar da região, o risco existe."
Foi justamente com o objetivo de evitar possíveis contaminações do solo e, principalmente, da água que Ueta vem desenvolvendo microcápsulas com microrganismos do gênero Pseudomonas - que conseguem degradar a atrazina com grande eficiência. O biorremédio para o solo é composto utilizando técnicas da fabricação de medicamentos pela indústria farmacêutica. "Os princípios ativos dos 'comprimidos' são as bactérias. Porém, na formulação das microcápsulas, adicionamos alguns nutrientes cujo papel é facilitar o desenvolvimento dos microrganismos de forma que eles degradem mais rapidamente a atrazina", esclarece Ueta.
Nos testes em laboratório, a biorremediação obteve sucesso. No entanto, ela ainda não foi aplicada em campo "porque deve-se estudar a fundo as conseqüências que a introdução de seres vivos estranhos ao ambiente pode provocar. Caso contrário, ao invés de melhorar a situação, podemos causar um desequilíbrio ambiental", alerta a pesquisadora. Segundo ela, as melhores ferramentas biológicas são aquelas que, quando lançadas na natureza, cumprem seu papel e morrem, "como as bactérias utilizadas em derrames de petróleo no oceano". Por isso, conclui Ueta, o ideal é mesmo não poluir.