New Scientist - 28/02/2005
Contrariamente à crença popular, a energia hidroelétrica pode afetar seriamente o clima. Propostas de mudanças na forma como os "orçamentos climáticos" dos países são calculados tentam levar em conta a emissão de gases a partir das represas das usinas hidroelétricas, mas alguns especialistas acham que o que está sendo proposto não dá conta da totalidade do problema.
A imagem de ambientalmente correta da hidroeletricidade, como uma alternativa benigna à queima de combustíveis fósseis, é falsa, afirma Éric Duchemin, um consultor do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). "Todo mundo pensa que a hidroeletricidade é muito limpa, mas não é bem assim," diz ele.
Represas de usinas hidroelétricas produzem quantidades significativas de dióxido de carbono e metano e, em alguns casos, produzem mais desses gases que causam o efeito estufa do que usinas termelétricas que funcionam à base de combustíveis fósseis," afirma Philip Fearnside, um pesquisador que trabalha no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), em Manaus. "Mas nós sabemos que há emissões suficientes para que nos preocupemos a respeito."
Em um estudo a ser publicado no periódico Mitigation and Adaptation Strategies for Global Change, Fearnside estima que, em 1990, o efeito estufa das emissões da represa Curuá-Una, no Pará, foi mais do que três vezes e meia o que seria emitido pela geração da mesma quantidade de eletricidade a partir da queima de óleo. [Nota do Editor: o periódico não informa se os artigos publicados são revisados por outros pesquisadores]
Isto se deve às grandes quantidades de carbono das árvores e outras plantas, que são liberadas quando o reservatório inicialmente se enche e inunda a floresta. Então, depois desse primeiro pico, a matéria vegetal que fica no fundo do reservatório se decompõe sem a presença de oxigênio, resultando na geração de metano, que fica dissolvido na água. Esse metano é liberado na atmosfera quando a água passa pelas turbinas da usina.
Regiões "afundadas"
Alterações sazonais na profundidade da água significam que há um contínuo fornecimento de material vegetal. Na estação seca as plantas se espalham pela área do reservatório, sendo cobertas quando o nível da água novamente se eleva. Em reservatórios com bordas rasas essas regiões "afundadas" podem representar vários milhares de quilômetros quadrados.
Com efeito, os reservatórios feitos pelo homem convertem dióxido de carbono da atmosfera em metano. Isto é significativo porque o efeito do metano no aquecimento global é 21 vezes mais forte do que o dióxido de carbono.
Declarações de que as hidroelétricas são produtoras líquidas de gases que causam o efeito estufa não é algo novo, mas a questão agora parece estar chegando à agenda política. Na próxima rodada das discussões do IPCC, em 2006, a proposta do Programa Inventário Nacional de Emissão de Gases, que calcula o orçamento de carbono de cada país, irá incluir as emissões feitas por regiões artificialmente inundadas.
Mas essas diretivas levarão em conta apenas os primeiros 10 anos de operação das represas e somente incluirão as emissões superficiais. A produção do metano não será calculada porque os cientistas do clima não concordam sobre quão significativa ela é; essa produção também varia muito de represa para represa. Mas se Fearnside tiver êxito em sua tese, essas emissões totais poderão ser incluídas.
Com as diretrizes propostas pelo IPCC, países tropicais que dependem intensamente da hidroeletricidade, como o Brasil, poderão ver seus balanços de emissão de gases aumentados em até 7%. Países mais frios são menos afetados, afirma Fearnside, porque as condições mais frias são menos favoráveis à geração de gases que causam o efeito estufa.
Apesar de uma década de pesquisas documentando as emissões de carbono dos reservatórios artificiais, a energia hidroelétrica tem uma injusta reputação de suavizar o aquecimento global. "Eu penso que é importante que essas emissões sejam consideradas," afirma Fearnside.