Fábio Reynol - Agência Fapesp - 11/05/2010
Uma espaçonave de tamanho subatômico tem a missão de capturar partículas, identificá-las e com elas montar estruturas atômicas em outro planeta.
Essa é parte da missão do Sprace Game, um jogo de computador projetado por físicos da Universidade Estadual Paulista (Unesp) com o objetivo de transmitir conceitos de física de partículas para estudantes e para o público leigo.
Um século de defasagem
O professor do Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp Sérgio Ferraz Novaes, coordenador do Sprace, contou que o jogo faz parte de um esforço de levar aos alunos de ensino médio do país informações atuais sobre a física de partículas.
"As informações escolares sobre estrutura da matéria estão defasadas em quase um século", declarou Novaes através de um sistema de videoconferência.
O professor falou aos jornalistas a partir do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern), em Genebra, Suíça, onde participa do experimento CMS (Solenoide Múon Compacto), um dos quatro grandes detectores do acelerador LHC.
Partículas subatômicas
Para mostrar aos estudantes que os átomos são muito mais do que somente prótons, nêutrons e elétrons, a equipe do IFT enviou a todas as escolas brasileiras do ensino médio cartazes didáticos apresentando as demais partículas subatômicas.
"Porém, os cartazes atingem somente os interessados em física, enquanto o jogo alcança muito mais jovens", afirmou o designer do Sprace Game, Einar Saukas, da Summa Technology+Business, empresa que produziu o jogo.
O desenvolvimento do jogo ficou sob a responsabilidade da empresa Black Widow Games Brasil, com a qual Saukas também está envolvido.
Jogo em Java
Projetado em linguagem Java, o Sprace Game consegue rodar em qualquer computador com sistemas operacionais Windows, Linux ou Mac. O programador do jogo, Ulisses Bebianno de Mello, da Black Widow, explicou que há três versões de resolução para que até máquinas um pouco mais antigas possam receber o jogo.
"Conseguimos rodar a versão mais básica em um Pentium 1,3Ghz com 512M de memória RAM, acreditamos que a configuração mínima para o jogo seja essa", disse Mello.
Por funcionar em plataformas enxutas, o Sprace Game pode servir como ferramenta de ensino em escolas e instituições com poucos recursos, necessitando apenas do acesso à internet. O jogo é gratuito e pode ser acessado na página do Sprace: Sprace Game
Sopa de partículas
Ao passar pelas quatro fases do Sprace Game, o jogador tem que capturar com sua espaçonave partículas subatômicas, levá-las a um laboratório para que sejam identificadas, descobrir do que são formadas as partículas compostas, chamadas de hádrons, e recombinar quarks para formar prótons e nêutrons.
Com eles, o jogador consegue montar núcleos atômicos de hidrogênio e oxigênio, a fim de produzir um recurso fundamental para a colonização do planeta explorado, a água.
Uma das fases mais interessantes é a segunda, na qual o jogador deve encontrar e perseguir a partícula tau e observar o seu decaimento, que é a decomposição da tau em outras subpartículas no fim de seu tempo de vida. São essas subpartículas que o jogador deverá capturar. "Isso ajuda a explicar o conceito do decaimento", disse Saukas.
Precisão científica
O designer revelou que um dos grandes desafios do projeto foi criar um jogo que proporcionasse entretenimento sem perder a precisão científica. "Não podíamos fazer um jogo somente divertido e que tivesse incorreções científicas, nem fazer algo muito preciso e que fosse chato de jogar", afirmou.
O produto final foi testado e aprovado por alunos do ensino médio participantes do Master Class: Hands on Particle Physics evento internacional cuja etapa paulista foi realizada em fevereiro pela Unesp. "Os estudantes tiveram duas horas para jogar, mas depois desse tempo ainda queriam continuar jogando", contou Saukas.
O sucesso inicial demonstra o acerto na escolha do jogo eletrônico como mídia para divulgar a física de partículas, segundo acredita o professor Novaes. Para ele, trata-se de conceitos intrincados e que precisam ser repetidos para que sejam assimilados. "Filmes, livros e quadrinhos já foram feitos com esse objetivo, mas o videogame é muito mais eficaz nesse aspecto", declarou o professor.
Repercussão internacional
O professor da Unesp disse que o Sprace Game já tem despertado o interesse de outros países. Uma versão em inglês está sendo finalizada para dar origem a traduções para outros idiomas.
Pesquisadores e divulgadores científicos da França, Áustria, Portugal, República Tcheca e Estados Unidos entraram em contato com Novaes para conversar sobre o jogo, além de profissionais de divulgação científica da Comunidade Europeia.
O professor Helio Takai, do Laboratório Nacional Brookhaven, dos Estados Unidos, que também participou da videoconferência do lançamento do Sprace, afirmou que o jogo poderá reduzir a defasagem do ensino de física de partículas que também existe naquele país.
Como no Brasil, o ensino norte-americano de física até o nível médio repassa conceitos da física descobertos até o início do século 20.
Quarks
Experimentos realizados em aceleradores de partículas revelaram que prótons e nêutrons são compostos de quarks, partes ainda menores.
Além dos quarks, que se dividem em seis tipos (up, down, estranho, charme, bottom e top), também foram descobertos os léptons (elétron, múon, tau e seus três respectivos neutrinos) e as partículas responsáveis pelas interações forte, fraca e eletromagnética (glúon, W, Z e fóton).
Enriquecer os conhecimentos de física de estudantes ensino médio com essas informações mais atualizadas é o objetivo principal do Sprace Game.
"Aqui nos Estados Unidos, as agências de pesquisa valorizam muito as atividades educacionais. Da mesma forma, no Brasil, iniciativas como o Sprace são uma maneira de retribuir à população os investimentos públicos em pesquisa", falou Takai na cerimônia de lançamento.
Novaes disse que um colega resumiu o ensino de física nesses termos: "Um professor do século 20 ensina física do século 19 para um estudante do século 21". Para o professor da Unesp, o Sprace Game procura levar informações contemporâneas para estudantes do século 21, por meio de uma mídia moderna.