Redação do Site Inovação Tecnológica - 13/02/2025
Biocombustíveis de segunda geração
Há décadas acompanhamos a promessa dos chamados "biocombustíveis 2.0", ou biocombustíveis de segunda geração, que poderá ser fabricado a partir de resíduos agroindustriais, como bagaço da cana e palha do milho, de restos de madeira ou mesmo de madeiras cultivadas para esse objetivo - calcula-se que substituir petróleo por madeira pode ser lucrativo econômica e ambientalmente.
O problema é que não é fácil quebrar a celulose, já que este que é o polímero renovável mais abundante do planeta, é extremamente recalcitrante à despolimerização biológica. Embora composta inteiramente por unidades de glicose, a estrutura microfibrilar cristalina da celulose a torna altamente resistente à degradação. Na natureza, sua quebra é lenta e demanda sistemas enzimáticos complexos, que são difíceis de reproduzir sinteticamente.
É por isto que está causando entusiasmo a descoberta feita por uma equipe internacional liderada por pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).
Clelton Santos e seus colegas descobriram na natureza uma enzima que pode literalmente revolucionar o processo de desconstrução da celulose, viabilizando, entre outras aplicações tecnológicas, a produção em larga escala do chamado etanol de segunda geração, derivado de resíduos agroindustriais, como o bagaço da cana e a palha do milho.
A enzima, batizada de CelOCE, a partir da expressão em inglês para "enzima de clivagem oxidativa da celulose", quebra a celulose por meio de um mecanismo inédito, possibilitando que outras enzimas presentes no coquetel enzimático prossigam o trabalho, convertendo os fragmentos em açúcar. Ela foi encontrada em um filo bacteriano que nunca havia sido estudado.
"Para usar uma comparação, a recalcitrância da estrutura cristalina da celulose decorre como que de um conjunto de cadeados, que as enzimas clássicas não conseguem abrir. A CelOCE abre esses cadeados, permitindo que outras enzimas façam a conversão. Seu papel não é gerar o produto final, mas tornar a celulose acessível. Ocorre uma sinergia, a potencialização da atuação de outras enzimas pela ação da CelOCE," detalhou o professor Mário Murakami, coordenador do estudo.
Metaloenzimas
A CelOCE reconhece a extremidade da fibra de celulose, instala-se nela e a cliva de forma oxidativa. Com isto, ela perturba a estabilidade da estrutura cristalina da celulose, tornando-a mais acessível para a ação das enzimas clássicas, as hidrolases glicosídicas. Além disso, como a CelOCE é um dímero - composta por duas subunidades idênticas - , enquanto uma subunidade se encontra "sentada" sobre a celulose, a outra fica livre, podendo desempenhar uma atividade secundária de oxidase, gerando o material necessário para a reação biocatalítica.
Em relação à tecnologia mais avançada hoje, baseada na adição de mono-oxigenases ao coquetel enzimático, a nova enzima dobra o rendimento da reação. Isso significa que a CelOCE deverá aumentar expressivamente a eficiência do processo de produção dos biocombustíveis.
A CelOCE é uma metaloenzima, assim classificada porque possui um átomo de cobre embutido em sua estrutura molecular. E é esse átomo de cobre que funciona como o centro catalítico propriamente dito. Ela não foi sintetizada em laboratório, mas descoberta na natureza.
"Modificamos o paradigma de desconstrução da celulose pela via microbiana. Achávamos que as mono-oxigenases eram a única solução redox da natureza para lidar com a recalcitrância da celulose. Mas descobrimos que a natureza havia encontrado também outra estratégia, ainda melhor, baseada em um arcabouço estrutural minimalista que permite seu redesenho para outras aplicações, como a biorremediação ambiental," afirmou Murakami.
Melhor ainda, a prova de conceito em escala-piloto já foi demonstrada e a enzima recém-descoberta pode ser incorporada imediatamente ao processo produtivo, o que é extremamente relevante para o Brasil, como grande produtor de biocombustíveis, e para o mundo, em um contexto de transição energética urgente em função da crise climática.
O Brasil possui as duas únicas biorrefinarias existentes no mundo capazes de produzir, em escala comercial, biocombustíveis a partir da celulose. A tendência é que essas biorrefinarias se multipliquem e sejam replicadas em outros países.
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