Com informações da Agência Fapesp - 17/05/2018
Clima espacial
Pesquisadores brasileiros e de várias instituições latino-americanas estão trabalhando na instalação de uma rede de magnetômetros do Chile ao México. Serão pelo menos 20 equipamentos espalhados por toda a América Latina, até o ano de 2022.
O esforço é coordenado pela Embrace (Estudo e Monitoramento Brasileiro do Clima Espacial), e a rede de magnetômetros - instrumentos utilizados em medidas de intensidade de um campo magnético - é conhecida como Embrace MagNet.
O objetivo central é estudar particularidades e especificidades das perturbações no campo magnético sobre a América do Sul, para determinar a sua intensidade em relação ao que ocorre no resto do mundo e como a interação entre as partículas solares e o campo magnético terrestre afeta os aparelhos eletrônicos, os sistemas de geração de energia elétrica, sistemas de navegação por satélites, como o GPS, e até a saúde humana.
"O projeto visa estudar a variação diária da dinâmica da alta atmosfera [mesosfera e termosfera] e da eletrodinâmica da ionosfera em baixas latitudes e região equatorial. Nosso interesse é ver a variação do campo magnético terrestre quando acontecem as explosões solares e as nuvens magnéticas atingem a Terra", disse Clézio Marcos de Nardin, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
A rede disponibilizará os primeiros dados reais para a América do Sul. "Uma medida de campo magnético feita no Canadá, por exemplo, não é equivalente a uma medida feita no Brasil. Perturbações magnéticas não são equivalentes nos hemisférios Norte e Sul. Há várias publicações na literatura especializada que mostram que as auroras boreais e austrais também não são simétricas," disse Clézio.
Além das auroras boreais e austrais
Quando a nuvem magnética de uma tempestade solar interage com o campo magnético terrestre, a faceta mais visível desta relação é percebida pela formação de auroras boreais e austrais na estratosfera sobre as regiões polares. Se as auroras são a face visível do fenômeno, as interações entre as partículas energizadas provenientes do Sol e o campo magnético terrestre causam perturbações ao redor de todo o globo.
"Nas regiões aurorais, a interação da nuvem magnética com o campo magnético gera um sistema de correntes a 100 quilômetros de altitude que pode danificar equipamentos no solo", disse o pesquisador Paulo Roberto Fagundes, da Universidade do Vale do Paraíba (Univap).
Tudo pode ficar mais grave por ocasião das erupções solares, que liberam ao espaço radiação eletromagnética (luz) e quantidades prodigiosas de partículas altamente energizadas. Partículas viajando a velocidades superiores a 2 milhões de quilômetros por hora são lançadas do Sol e chegam à Terra em poucos dias, bombardeando o campo magnético que envolve e protege o planeta e produzindo muito mais do que auroras.
Os fenômenos solares que chegam à Terra são capazes de causar interferências em sistemas de posicionamento por satélites, como o GPS, danificar sistemas de sensoriamento remoto por radar, além de induzir correntes elétricas em transformadores de linhas de transmissão de energia ou afetar a proteção de dutos para transporte de petróleo e gás.
No caso das usinas geradoras de energia, as consequências podem ser mais graves. Quando a nuvem magnética solar atinge o campo magnético terrestre gerando auroras, correntes elétricas surgem no solo. Nas proximidades de uma hidrelétrica elas podem, por exemplo, queimar seus transformadores e desligar as linhas de transmissão de energia, ocasionando apagões. Isto porque a água dos reservatórios, além de potencializar a transmissão da corrente ao passar pelas turbinas da usina, transmite a corrente diretamente à casa de força, onde ficam os transformadores.
Um caso assim ocorreu em 9 de março de 1989, resultado de uma grande explosão solar. Três dias e meio mais tarde, em 13 de março, uma torrente de partículas energizadas e elétrons na ionosfera induziu poderosas correntes elétricas no solo em diversos pontos da América do Norte. Na província canadense de Quebec, a corrente queimou os transformadores do sistema de transmissão elétrica, provocando nove horas de apagão. Alguns satélites, inclusive meteorológicos, perderam contato por várias horas. O ônibus espacial Discovery se encontrava no espaço e apresentou problemas em seus sensores eletrônicos.
"Estudo recentes publicados na revista Risk Analysis estimam que o impacto nos dias de hoje de um evento geomagnético como o ocorrido em 1989 causaria prejuízos globais entre U$ 2,4 trilhões e U$ 3,4 trilhões", disse Clézio.
Magnetômetros e índice Ksa
O estudo do clima espacial serve, entre outros motivos, para poder estimar o nível de estresse a que estão sujeitos os equipamentos das geradoras de energia, das empresas de extração de petróleo e gás e das constelações de satélites.
A análise de toda a montanha de dados coletada diariamente pela Embrace MagNet já está servindo de subsídio para o desenvolvimento de um indicador específico chamado índice Ksa. "Nossa ideia é chegar a um índice sul-americano (o sa do índice Ksa). Já sabemos que o que ocorre no resto do mundo não é o mesmo que acontece aqui", disse Clézio.
Quando estiver completa, a rede será formada por 23 magnetômetros instalados em 16 estados brasileiros, e também na Argentina, Chile, México e Uruguai. Já foram instalados e se encontram em operação 13 magnetômetros - o mais recente deles foi instalado em Medianeira (PR), no campus da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).