Redação do Site Inovação Tecnológica - 22/08/2024
Processador líquido
Um processador pneumático recentemente comprovou sua utilidade prática para monitorar um equipamento médico largamente usado nos hospitais, mostrando que plataformas alternativas de computação podem ser mais do que curiosidades de laboratório.
Yiyuan Zhang e colegas da Universidade Politécnica de Hong Kong não gostam tanto assim de ar-comprimido, preferindo manipular fluidos em micro e nano-escalas, uma tecnologia conhecida como microfluídica, que está na base de diversos testes na área biomédica.
Mas eles queriam mais do que biochips passivos, e então lançaram as bases de uma computação baseada em gotas líquidas, criando o protótipo de um processador fluídico - um novo tipo de hardware líquido.
Você não irá querer usar um computador fluídico para fazer cálculos matemáticos, mas sua utilização é tão grande quando os campos da biologia, química e medicina colocados juntos.
"A civilização humana depende muito da capacidade de processar líquidos com precisão. A alternância entre captura e liberação de líquidos desempenha um papel fundamental no manuseio de vários líquidos, com aplicações que exigem controle reversível, espacial e temporalmente preciso, volumetricamente exato e programável, independentemente dos detalhes das ferramentas sólidas empregadas e dos líquidos processados.
"Aqui, apresentamos quadros poliédricos conectados para abordar efetivamente esse desafio, adaptando a continuidade do líquido entre os quadros para ditar a captura ou liberação de líquido de quadros individuais, com uma rede geral que é facilmente comutável localmente, dinamicamente e reversivelmente," escreveu a equipe.
Quadros poliédricos conectados
O papel dos transistores no processador fluídico é feito por estruturas chamadas "quadros poliédricos conectados" (QPC).
Hoje, à medida que os fluidos interagem com as ferramentas usadas em sua manipulação, eles tipicamente molham e se espalham nos sólidos de que essas ferramentas são feitas, impedindo a transferência completa do líquido, prejudicando a precisão volumétrica e causando contaminação cruzada entre amostras. Para preservar a pureza dos fluidos, plásticos descartáveis, como pipetas e microtubos, são amplamente usados, aumentando o custo operacional e a pegada ambiental da indústria.
Os QPCs (quadros poliédricos conectados) resolvem esses problemas. São estruturas tridimensionais modulares, compostas por polígonos conectados entre si, formando uma malha. Essa malha pode ser adaptada para criar uma variedade de formas e tamanhos, tornando os QPCs úteis para inúmeras aplicações. Ao permitir controlar o fluxo do líquido entre os quadros individuais, eles tornam possível controlar a captura e a liberação do líquido quadro a quadro, criando uma rede geral comutável localmente, dinamicamente e reversivelmente.
Comutação fluídica
A chave da versatilidade desses transistores fluídicos está na comutação reversível - captura e liberação - dos líquidos, o que permite que os QPCs manipulem os líquidos com precisão e sob demanda, de modo altamente controlável. O papel de "capturadores" e "liberadores" de líquidos é controlado com a colocação de hastes de conexão. Isso é possível porque, quando os QPCs são levantados do líquido, uma película de líquido se forma entre as conexões de haste dupla, criando canais entre os quadros que facilitam a liberação do líquido.
A comutação reversível entre captura e liberação é feita construindo ou quebrando a continuidade líquida entre os quadros. Isso abre muitas possibilidades, como a padronização programável em 3D dos líquidos, controle espaçotemporal 3D de concentrações de vários materiais, empacotamento de matrizes líquidas 3D e manipulação em larga escala de vários líquidos.
E o aparato é compatível com uma ampla gama de líquidos, incluindo - mas não se limitando a - soluções aquosas, biofluidos, hidrogéis, solventes orgânicos, soluções de polímeros e óleos. Portanto, uma variedade de biomateriais e produtos químicos podem ser incorporados nos QPCs para várias aplicações.
Demonstrações práticas
Para demonstrar a utilidade prática dos QPCs na liberação controlada de múltiplos fármacos, a equipe construiu uma rede para o padrão líquido binário 3D das vitaminas B2 e B12.
As duas vitaminas - fazendo o papel de dois tipos diferentes de moléculas de fármacos - foram encapsuladas em hidrogel de alginato de sódio e goma gelana, respectivamente, e liberadas em solução aquosa. Ao alterar a espessura da membrana de gel, as taxas de liberação relativas dos dois fármacos podem ser controladas com precisão.
Usando o vírus da gripe como exemplo, a equipe demonstrou também a superioridade dessa arquitetura de manipulação de líquidos como ferramenta de amostragem: Quando a concentração do vírus era baixa, os QPCs detectavam o vírus, o que não foi possível usando os métodos tradicionais, que usam cotonetes - além disso, os cotonetes tradicionais e os cotonetes de flocagem sofrem com problema sérios de resíduos durante a manipulação; os QPCs evitam isso porque usam apenas interfaces líquido-líquido.
A equipe também demonstrou a aplicação da plataforma para o encapsulamento de biomateriais. Tomando o encapsulamento de Acetobacterium como exemplo, os QPCs apresentaram muitas vantagens sobre os dispositivos tradicionais, incluindo a facilidade da separação das bactérias e dos produtos de reação, simplificando o processo de reação microbiana e aumentando a taxa de utilização das bactérias.
Finalmente, a demonstração chegou à inesperada área da refrigeração e do ar-condicionado. A equipe criou um protótipo de umidificador em escala comercial, que apresentou uma maior capacidade de armazenamento de água e menor exigência de fluxo de água, tornando-o mais eficiente em termos de energia.
Os QPCs também permitem uma dispersão de líquido 3D em larga escala para formar uma área de superfície maior, tornando-os muito úteis para absorção de gás, por exemplo, em um ciclo de CO2 ideal, que inclui a captura e o armazenamento reutilização do dióxido de carbono.
Meta-metamaterial
No final, o conceito se mostrou mais amplo do que se esperava. Na verdade, essa arquitetura de manipulação e processamento fluídico forma uma classe acima dos já conhecidos e super versáteis metamateriais: a equipe chama sua estrutura de processamento líquido de "meta-metamaterial".
Como cada quadro do QPC captura ou libera líquidos independentemente de seus materiais de base, das suas estruturas e dos líquidos manipulados, cria-se um material artificial inovador que torna realidade um sonho considerado impossível, que os químicos costumam chamar de "recolher água com uma cesta de bambu": múltiplos líquidos são manipulados simultaneamente, de modo totalmente seletivo e programável - no espaço e no tempo - e sem contaminação.
A disponibilidade deste processador fluídico define um novo padrão para manuseio de líquidos com controlabilidade, versatilidade e alto desempenho, inspirando um novo campo de meta-metamateriais e facilitando novos avanços científicos e tecnológicos em vários campos, diz a equipe.