Redação do Site Inovação Tecnológica - 27/12/2023
Metamateriais e meta-átomos
O modo como a luz interage com os materiais naturais é bem compreendido na física e na ciência dos materiais. Mas, nas últimas décadas, os matemáticos descobriram que era possível construir materiais artificiais que interagem com a luz de formas totalmente inusitadas, que vão além dos limites físicos impostos aos materiais naturais.
De posse dessas teorias matemáticas, conhecidas como óptica transformacional, os cientistas então começaram a fabricar o que hoje conhecemos como metamateriais e metassuperfícies. Existem alguns tão bizarros quanto metamateriais que desafiam simultaneamente Einstein e a mecânica quântica, enquanto as metassuperfícies podem ir de qubits a geradores de energia mecânica.
Assim como um material natural é composto por redes de átomos, um metamaterial é composto de matrizes de meta-átomos, que podem ser fabricados em várias escalas, mas tipicamente menores do que a onda que se deseja manipular. Esses meta-átomos funcionam como antenas de luz ao interagir com as ondas eletromagnéticas, e têm sido fabricados na escala de cerca de 100 nanômetros.
Tem sido o suficiente para um sem-número de aplicações, mas o grande tamanho dos meta-átomos em relação aos átomos comuns - que são menores do que um nanômetro - tem limitado o desempenho dos metamateriais em várias aplicações práticas.
Mas essa limitação acaba de ser vencida por Bumho Kim e colegas da Universidade da Pensilvânia, nos EUA, que demonstraram que é possível fazer meta-átomos na escala dos átomos naturais. Além de metamateriais e metassuperfícies muito mais versáteis e eficientes, isto também rompe com uma série de dificuldades envolvendo coisas como a computação com luz, ou processadores fotônicos, já que o comprimento de onda da luz é muito maior do que os componentes semicondutores usados nos chips eletrônicos atuais.
Ângulo de torção
Os pesquisadores desenvolveram uma nova abordagem que projeta estruturas atômicas para um metamaterial empilhando diretamente camadas de materiais monoatômicos - uma só camada de átomos de espessura. Deslocando precisamente uma camada em relaçõa às outras, torna-se possível criar matrizes bidimensionais de meta-átomos que assumem formações espirais, o que cria novos modos de interação luz-matéria.
"É semelhante a empilhar um baralho de cartas, mas torcendo levemente cada carta antes de adicioná-la à pilha," explicou o professor Bo Zhen. "Essa virada muda a forma como todo o baralho responde à luz, permitindo-lhe exibir novas propriedades que camadas individuais, ou pilhas tradicionais, não possuem."
Esta abordagem permite que os metamateriais superem as atuais limitações técnicas e abre caminho para lasers, sistemas de imageamento e tecnologias quânticas de próxima geração.
Ao empilhar camadas de um material chamado dissulfeto de tungstênio (WS2), estrela de uma série de tecnologias de ponta, e torcendo as camadas em determinados ângulos, a equipe criou o que é conhecido como simetrias de parafuso - não é muito diferente do famoso "ângulo mágico" que dá a folhas de grafeno empilhadas poderes que as camadas individuais não têm.
"A mágica está em controlar a torção," explica Kim. "Quando você torce as camadas em ângulos específicos, você altera a simetria da pilha. Simetria, neste contexto, refere-se a como certas propriedades dos materiais - como a forma como eles interagem com a luz - são limitadas por seu arranjo espacial."
Materiais ópticos não lineares 3D
Ao ajustar os arranjos das camadas em escala atômica, os pesquisadores distorceram as regras do que esses materiais podem fazer e, ao controlar a torção em múltiplas camadas de WS2, ele criaram materiais ópticos não lineares 3D.
O WS2 por si só tem propriedades muito interessantes, como simetrias particulares que permitem certos tipos de interações com a luz, onde dois fótons em uma determinada frequência podem interagir com o material para produzir um novo fóton com o dobro da frequência, um processo conhecido como geração de segundo harmônico (SHG).
"Mas, quando duas camadas de WS2 são empilhadas com um ângulo de torção diferente dos convencionais 0° ou 180°, todas as simetrias espelhadas que estavam presentes na camada única são quebradas," explicou Kim. "Essa simetria espelhada quebrada é crucial porque leva a uma resposta quiral - algo inteiramente novo e não visto nas camadas individuais."
Uma propriedade interessante que emerge daí é que o sinal da resposta não linear quiral muda quando o ângulo de torção é invertido. Isso permite um controle direto sobre as propriedades não lineares simplesmente alterando o ângulo de torção entre as camadas - um nível de ajuste que pode ser revolucionário para projetar materiais ópticos com respostas personalizadas.
E, conforme aumenta o número de camadas empilhadas, novos efeitos podem emergir. Os pesquisadores descobriram que a simetria de parafuso permite uma nova seletividade para o campo elétrico da luz no material, uma parte da luz que determina sua direção e intensidade. Por exemplo, a simetria de parafuso permite um novo tipo de geração de luz com quatro e oito camadas, uma geração de terceiro harmônico polarizado contra-circularmente, no qual a luz viaja na direção espiral oposta, uma qualidade não vista nas monocamadas individuais.