Agência Fapesp - 04/03/2010
Contribuição brasileira à física
Maior instrumento científico já construído, o acelerador de partículas LHC (Large Hadron Collider, ou "grande colisor de hádrons") acaba de gerar outro destaque importante: seu primeiro artigo científico.
O artigo consagra uma das mais importantes contribuições brasileiras à física mundial. Uma das conclusões do trabalho é que a estatística de Tsallis - enunciada em 1988 por Constatino Tsallis, pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas - é ideal para descrever o sistema no qual a distribuição das partículas é medida.
Na verdade, um primeiro artigo científico do LHC já havia sido noticiado aqui no Site Inovação Tecnológica no início de Dezembro de 2009, mas agora ele está sendo classificado como de natureza técnica, assim como outros que o seguiram, e não de física propriamente dita.
Detector do LHC
Com participação de vários brasileiros entre os mais de 2 mil coautores de 157 instituições internacionais, o artigo foi publicado no último exemplar da revista Journal of High Energy Physics (JHEP).
O artigo se baseou em dados gerados em dezembro de 2009 pelo CMS (sigla em inglês para "Solenóide de Múon Compacto") - um dos quatro detectores do LHC - e apresentou a primeira medida de distribuição de partículas observadas em colisões ocorridas em altíssimas energias: 2,36 teraelétron-volts (TeV).
Do Brasil, participaram pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF).
Estatística de Tsallis
Teoria que generaliza a mecânica estatística de Boltzmann-Gibbs, a estatística de Tsallis é utilizada para o entendimento dos sistemas complexos e já foi abordada em mais de 2 mil artigos científicos em todo o mundo. Mas, com o experimento do LHC, deixou de ser apenas uma importante conjectura.
De acordo com Tsallis - que por modéstia prefere referir-se à sua teoria como "mecânica estatística não-extensiva" - a colaboração CMS já havia gerado artigos em áreas técnicas, mas, por ser a primeira publicação em física produzida pelo experimento, o trabalho é um marco para a física.
"Como o CMS forneceu dados que não se acomodaram com a estatística de Boltzman-Gibbs, os pesquisadores decidiram experimentar a mecânica estatística não-extensiva. Verificaram que ela funcionou muito bem, encaixando-se com propriedade. No fundo, trata-se de algo muito simples e, por isso mesmo, maravilhoso", disse Tsallis.
Tsallis revelou que, por meio de uma colega do CBPF - Maria Elena Pol, uma das coautoras do artigo - ficou sabendo que a mecânica estatística não-extensiva seria utilizada para a descrição do comportamento das partículas.
"A teoria é sempre algo plausível, mas que só se torna real por meio de um experimento ou da verificação. É o sonho de qualquer físico teórico que a natureza confirme a sua suspeita. Quando isso ocorre, com um experimento desse porte, a sensação é de estupor", descreveu Tsallis.
Colisões de alta energia
De acordo com um dos autores do artigo, Sérgio Ferraz Novaes, professor do Instituto de Física Teórica da Unesp, o primeiro trabalho de física a utilizar os dados do LHC é importante por realizar medidas das colisões em níveis de energia sem precedentes, mas também por confirmar a eficiência do acelerador.
"Essa é a primeira medida feita em regime de energia tão alta, o que é importante porque permite a extrapolação dos dados anteriores. O experimento, por um lado, serviu como calibração do equipamento, mostrando resultados satisfatórios e coerentes com o que esperávamos. Por outro lado, os dados gerados ainda motivarão muitos outros artigos. Essa primeira publicação é o começo de uma história que será contada nos próximos dez anos", afirmou.
Primeiro artigo de física do LHC
O artigo apresentou a primeira medida de distribuição em momentum transverso e pseudo-rapidez (análoga à medida de distribuição angular) das partículas observadas nas colisões próton-próton ocorridas em altas energias, a 2.36 TeV. Segundo Novaes, os experimentos realizados até agora haviam feito medições em regimes de energia de no máximo 2 TeV.
Cada TeV equivale a 1 trilhão de elétron-volts. Um elétron-volt é a quantidade de energia cinética ganha por um elétron quando acelerado por uma diferença de potencial elétrico de um volt, no vácuo.
"De agora em diante haverá mais trabalhos científicos com base nos dados gerados pelo LHC, pois o equipamento irá gerar novas colisões, com intensidade maior de energia dos feixes de prótons. Nos próximos dois anos, iremos operar com 7 TeV. A previsão é que, posteriormente, o equipamento chegue a trabalhar com até 14 TeV", explicou.
Conceitos relativísticos
As medidas de momentum transversal e longitudinal, segundo Novaes, são bem conhecidas em outros aceleradores. Mas ainda não tinham sido realizadas no LHC. "Enquanto não tínhamos feixe, a calibração e o alinhamento dos diversos componentes do acelerador eram feitas, em geral, com raios cósmicos", disse.
O momentum medido, segundo Novaes, é o análogo relativístico da definição da física básica: o produto da massa e velocidade de uma partícula. "Quando falamos do momentum transversal e longitudinal, estamos nos referindo à projeção do momentum na direção do feixe, ou na direção perpendicular a ele", disse.
De acordo com Novaes, quando se mede a distribuição de uma partícula, ela está imersa em um banho térmico formado por todas as demais partículas produzidas na reação. "A distribuição de momentum dessa partícula é melhor descrita pela estatística de Tsallis, que generaliza a estatística de Boltzmann-Gibbs", afirmou.
LHC
O LHC, construído pelo Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern) na fronteira entre Suíça e França, foi inaugurado oficialmente em outubro de 2008, com o objetivo de buscar respostas para alguns dos principais mistérios da ciência, investigando as partículas mais elementares da matéria.
Depois de paradas forçadas por problemas técnicos, o LHC está sendo "aquecido", com sua energia sendo elevada paulatinamente, e deverá começar a produzir experimentos reais a partir dos próximos meses.