Com informações da Frontiers in Neuroscience - 06/05/2019
Interface cérebro humano/nuvem
Imagine uma tecnologia que forneça acesso instantâneo ao conhecimento acumulado pela humanidade e à inteligência artificial para analisá-lo, simplesmente pensando em um tópico ou questão específica. Comunicações, educação, trabalho e o mundo como o conhecemos seriam transformados.
É nisto que está pensando uma colaboração internacional liderada por pesquisadores da Universidade da Califórnia em Berkeley e do Instituto de Manufatura Molecular dos Estados Unidos.
Nuno Martins e seus colegas preveem que o progresso exponencial em nanotecnologia, nanomedicina, inteligência artificial e computação levará ao desenvolvimento, ainda neste século, de uma "interface cérebro humano/nuvem", ou IC/N, que irá conectar neurônios e sinapses no cérebro a vastas redes de computação em nuvem em tempo real.
Nanorrobôs
O conceito IC/N (interface cérebro/nuvem) foi inicialmente proposto pelo futurólogo-autor-inventor Ray Kurzweil, que sugeriu que nanorrobôs neurais - ideia de Robert Freitas, coordenador deste novo estudo - poderiam ser usados para conectar o neocórtex do cérebro humano a um "neocórtex sintético" na nuvem.
Os nanorrobôs neurais propostos por Freitas forneceriam monitoramento e controle direto e em tempo real dos sinais que chegam e saem das células cerebrais - ele também propôs nanorrobôs para substituir o sangue humano.
"Esses dispositivos navegariam na vasculatura humana, atravessariam a barreira hematoencefálica e se autoposicionariam com precisão entre, ou mesmo dentro, das células cerebrais," detalha Freitas. "Eles então transmitiriam sem fios informações codificadas de e para uma rede de supercomputadores baseada em nuvem para monitoramento do estado cerebral e extração de dados em tempo real."
A internet dos pensamentos
Um "córtex na nuvem" permitiria o download de informações ao estilo Matrix para o cérebro, afirma o grupo.
"Um sistema IC/N [interface cérebro/nuvem] mediado por nanorrobótica neural poderia capacitar os indivíduos com acesso instantâneo a todo o conhecimento humano cumulativo disponível na nuvem, ao mesmo tempo em que melhoraria significativamente as capacidades de aprendizagem e inteligência humanas," defende o Dr. Nuno Martins.
A tecnologia também poderia nos permitir criar um futuro "supercérebro global" para conectar redes de cérebros humanos individuais e inteligências artificiais para possibilitar o pensamento coletivo.
"Embora ainda não seja particularmente sofisticado, um sistema humano experimental 'BrainNet' já foi testado, permitindo a troca de informações orientada pelo pensamento através da nuvem entre cérebros individuais. Ele usava sinais elétricos registrados através do crânio de 'remetentes', e estimulação magnética através do crânio de 'receptores', permitindo a execução de tarefas cooperativas.
"Com o avanço da neural-nanorrobótica, vislumbramos a futura criação de 'supercérebros' que possam usar os pensamentos e o poder de pensar de qualquer número de humanos e máquinas em tempo real. Essa cognição compartilhada poderia revolucionar a democracia, melhorar a empatia e, em última instância, unir grupos em uma sociedade verdadeiramente global," sonha Martins.
Quando poderemos nos conectar?
Um dos gargalos nesse exercício de futurologia parece ser a transferência de dados neurais de e para supercomputadores na nuvem.
Uma solução proposta pelos autores é o uso de "nanopartículas magnetoelétricas" para efetivamente amplificar a comunicação entre os neurônios e a nuvem.
"Essas nanopartículas já foram usadas em camundongos vivos para acoplar campos magnéticos externos a campos elétricos neuronais - isto é, para detectar e amplificar localmente esses sinais magnéticos e assim permitir alterar a atividade elétrica dos neurônios," explica Martins. "Isso também poderia funcionar ao contrário: sinais elétricos produzidos por neurônios e nanorrobôs poderiam ser amplificados, via nanopartículas magnetoelétricas, para permitir sua detecção fora do crânio."
Colocar essas nanopartículas - e os nanorrobôs - com segurança dentro do cérebro humano através da circulação, contudo, é talvez o maior desafio dentre todos para viabilizar a interface cérebro/nuvem.
"Uma análise detalhada da biodistribuição e da biocompatibilidade das nanopartículas é necessária antes que elas possam ser consideradas para o desenvolvimento humano. No entanto, com estas e outras tecnologias promissoras para a IC/N se desenvolvendo a taxas cada vez maiores, uma 'internet dos pensamentos' pode se tornar uma realidade antes da virada do século," antevê Martins.