Com informações do NCCR-MARVEL - 21/01/2019
Inteligência quântica
Por que a água é mais densa a cerca de 4 graus Celsius? Por que o gelo flutua? Por que a água pesada tem um ponto de fusão diferente da água normal? Por que os flocos de neve têm uma simetria de seis?
Estas são apenas algumas das mais de 100 anomalias da água.
Uma equipe internacional, liderada por pesquisadores da Escola Politécnica Federal de Lausanne, na Suíça, conseguiu alguns insights físicos sobre essas questões ao casar técnicas de aprendizado de máquina e cálculos de primeiros princípios da mecânica quântica.
Complexidade incalculável
Os blocos fundamentais da maior parte da matéria observável são elétrons e núcleos. Seguindo as leis da mecânica quântica, o comportamento dessas partículas pode ser descrito em termos de sua função de onda, uma espécie de nuvem difusa que está relacionada à probabilidade de observá-las em um determinado ponto no espaço e momento no tempo.
Ao resolver a equação de Schrodinger, que descreve a dependência do tempo desses sistemas em escala atômica, é possível fazer modelos e previsões de qualquer material, incluindo da água.
Mas há um porém. À medida que o número de elétrons e núcleos aumenta, a complexidade envolvida nos cálculos logo se torna intratável, mesmo com os supercomputadores mais rápidos, e mesmo após um século de grandes progressos na otimização desses cálculos.
De fato, os cálculos da mecânica quântica ainda são inacessíveis para sistemas com mais de algumas centenas de átomos, ou por um período de tempo maior do que um nanossegundo, que equivale a 10-9 segundo. Para se ter uma ideia o recorde de menor tempo já medido nos experimentos quânticos está na casa dos attossegundos, ou 10-18 segundo.
Inteligência artificial com física quântica
Para superar essas limitações, Bingqing Cheng e seus colegas colocaram uma rede neural artificial (RNA) para aprender as interações atômicas da mecânica quântica. A arquitetura das RNAs pode ser representada como várias camadas de nós interconectados, nós estes que imitam a estrutura dos neurônios no cérebro.
A rede primeiro aprendeu sobre as interações quânticas entre os átomos e, em seguida, fez previsões rápidas sobre a energia e as forças em um sistema de átomos, evitando a necessidade de realizar cálculos mecânicos quânticos demorados, ou mesmo inviáveis.
Até agora, tudo soa como uma típica história de sucesso do aprendizado de máquina. No entanto, o problema ainda não estava resolvido. A RNA tem um erro residual em comparação com os cálculos reais da mecânica quântica: Na maioria das vezes, ela introduz um pequeno ruído, e às vezes faz um palpite disparatado se uma entrada for muito diferente de qualquer coisa que ela tenha aprendido antes.
Como evitar as armadilhas da rede neural? Em vez de empregar a RNA sozinha para fazer as previsões sobre um sistema de átomos, os pesquisadores usaram-na como um modelo substituto.
Em essência, as propriedades computacionais dos materiais a uma temperatura finita geralmente envolvem muitas etapas de computação, mas Cheng e seus colegas se deram conta de que as partes trabalhosas e repetitivas podiam ser delegadas ao modelo substituto, que funciona rapidamente e exige um poder computacional mínimo.
No final, a diferença entre o palpite do modelo substituto e a verdade fundamental - a diferença entre a RNA e a mecânica quântica - pode ser subtraída das previsões finais, eliminando o ruído.
Insights sobre a água
Com essas técnicas, os pesquisadores conseguiram reproduzir várias propriedades termodinâmicas da água a partir da mecânica quântica, incluindo a densidade do gelo e da água, a diferença na temperatura de fusão da água normal e da água pesada e a estabilidade das diferentes formas de gelo.
Além disso, o estudo revelou vários insights físicos sobre o que daria aos sistemas de gelo e água suas propriedades tão peculiares.
Uma das descobertas mais notáveis é que as flutuações quânticas nucleares, a tendência de elementos leves, como o hidrogênio, de se comportarem mais como uma nuvem difusa do que como uma partícula localizada, induz a organização hexagonal das moléculas dentro do gelo, o que, em última instância, leva à simetria senária (seis vezes) dos flocos de neve.