Redação do Site Inovação Tecnológica - 22/10/2024
Eletrônica viscosa
Conecte um cabo a uma tomada e você dará início a uma enxurrada de elétrons que lhe permitirá acionar toda a nossa tecnologia, de uma lâmpada ou liquidificador até o mais moderno supercomputador.
Os professores nos ensinam como isso é possível - como os elétrons se comportam nos metais dos fios ou nos semicondutores dos eletrônicos - por meio de um modelo simples: Os elétrons são imaginados como partículas minúsculas e independentes, muito parecidas com carros em uma rodovia, cada um se movendo livremente, com sorte sem nenhuma interação uns com os outros. É uma ótima explicação, permitindo não apenas entender, mas também projetar os dispositivos eletroeletrônicos que sustentam a vida moderna.
Mas esse modelo não funciona mais no nível em que nossa eletrônica chegou, quando lidamos com materiais na escala dos nanômetros, envolvendo os fios mais finos que é possível fabricar. As coisas ficam tão estranhas que até parece que os elétrons se dividem, questionando a explicação clássica de que eles deveriam ser uma partícula fundamental e, portanto indivisível.
Mikhail Kravtsov e seus colegas da Universidade Nacional de Cingapura acreditam que esse hiato em nossa compreensão dos elétrons e do seu fluxo - da eletricidade, enfim - pode ser transposto se pararmos de encarar os elétrons como partículas, e passarmos a vê-los como participantes de um movimento conjunto, de uma forma que se assemelha a um fluido viscoso, como o óleo ou o mel.
Bolômetro terahertz
Para provar seu ponto, Kravtsov pegou um pedaço de grafeno e, por assim dizer, o colocou em um forno, e então observou como a eletricidade fluía através dele em várias temperaturas. O princípio do experimento é simples: Se os elétrons realmente se comportam conjuntamente como um fluido viscoso, a temperatura deve alterar a viscosidade desse fluido e, assim, alterar o fluxo de eletricidade.
Deu certo: O modelo que a equipe chama de "eletrônica viscosa" - dos elétrons correndo como um fluido viscoso - explicou com precisão os dados experimentais, de modo muito parecido com a forma como óleo, mel e outros fluidos viscosos fluem mais facilmente quando aquecidos em um fogão.
Quando o grafeno é exposto à radiação eletromagnética de altíssima frequência - não é um forno de micro-ondas, mas um forno de ondas terahertz (THz) -, o fluido de elétrons se aquece e sua viscosidade é drasticamente reduzida, resultando em menor resistência elétrica.
Mas o experimento vai muito além da ciência básica. Ao usar o grafeno para medir a influência da radiação terahertz - o efeito dessa radiação na redução da viscosidade - a equipe criou uma nova classe de sensor eletrônico que permite detectar as ondas terahertz, o que tem sido o grande desafio para viabilizar uma infinidade de tecnologias prometidas por elas.
Tecnicamente chamado de bolômetro de elétrons viscosos, o novo sensor é capaz de detectar mudanças na resistência elétrica de forma extremamente precisa e rápida, operando, em princípio, na escala de picossegundos, ou trilionésimos de segundo.
O que a tecnologia THz promete?
As ondas de terahertz (THz) são uma parte especial e tecnologicamente desafiadora do espectro eletromagnético, situadas entre as micro-ondas e a luz infravermelha. Essa faixa tem uma vasta gama de aplicações potenciais, mas essas aplicações têm demorado porque é muito difícil detectar ondas na faixa dos THz.
Em comunicações, por exemplo, a tecnologia Wi-Fi atual opera na faixa dos GHz, limitando a quantidade de dados que podem ser transmitidos. A radiação THz, com sua frequência muito mais alta, pode servir como a frequência portadora para redes ultrarrápidas, indo além do 5G, permitindo transferência de dados mais rápida para dispositivos conectados à Internet das Coisas (IoT), carros autônomos e inúmeras outras aplicações.
Em imagens médicas e no controle de qualidade industrial, as ondas THz podem penetrar muitos materiais, tornando-as úteis para varreduras não invasivas e não destrutivas. Elas também são mais seguras do que os raios X, fornecendo uma ferramenta de imagem altamente seletiva e precisa.
Indo mais longe, a visão THz promete um novo impulso à astronomia observacional, permitindo observar galáxias mais distantes e exoplanetas que não podem ser vistos pela luz visível.