Redação do Site Inovação Tecnológica - 31/01/2024
Lei do atrito
Existem vários estados físicos e comportamentos da matéria que, apesar de já tirarmos proveito deles, ainda estamos longe de compreendê-los completamente - é o caso da supercondutividade, por exemplo.
Mas existem outros casos, e um dos mais incômodos é a superlubricidade, um estado no qual duas superfícies experimentam pouco ou quase nenhum atrito ao deslizarem uma sobre a outra.
A maioria das pessoas sabe intuitivamente que o atrito - a resistência de um objeto ao deslizamento - é maior para objetos mais pesados do que para os mais leves, algo conhecido como lei de atrito de Amontons-Coulomb, formulada há mais de 300 anos.
No entanto, essa "lei" não se aplica à superlubricidade: Este fenômeno é até dezenas de milhares de vezes menor do que a fricção convencional e, quando ela está em ação, a força de atrito não depende do peso do objeto. Em outras palavras, aumentar o peso de um corpo, mesmo que seja de gramas para toneladas, não alteraria o nível da força de atrito.
Isso é muito promissor para aplicações tecnológicas, onde poderia potencialmente reduzir o atrito de 1.000 a 10.000 vezes em máquinas, motores e outros mecanismos. Contudo, até agora a superlubricidade está associada a superfícies moleculares lisas, como o grafeno, e só foi observada em ambiente de laboratório, onde essas superfícies são sintetizadas em escalas nano- e micro-métricas.
Flutuações sincrônicas
Agora, Nikolai Brilliantov e colegas da Universidade de Leicester, no Reino Unido, finalmente conseguiram descrever a superlubricidade de modo mais completo, mostrando que o atrito se origina de flutuações "sincrônicas" das superfícies dos objetos, por sua vez causadas por vibrações aleatórias dos átomos da superfície.
Essas vibrações existem em qualquer temperatura diferente de zero e sua intensidade diminui com a diminuição da temperatura. Isto significa que, ao diminuir a temperatura da superfície, os efeitos do atrito podem ser reduzidos ainda mais.
"Explicar o comportamento enigmático da superlubricidade ajudará a controlar o atrito ultrabaixo, o que pode abrir horizontes de aplicações industriais de tirar o fôlego.
"Uma diferença tão dramática com o atrito comum é intrigante e precisa de explicação. Existem outras características surpreendentes da superlubricidade, como a dependência incomum da força de atrito na velocidade de deslizamento, na temperatura e na área de contato. Todas essas dependências são opostas ao previsto pelas leis tradicionais de Amontons-Coulomb," disse Brilliantov.
Como nasce e como morre o atrito
Para investigar os princípios da superlubricidade, os pesquisadores criaram uma interface entre duas superfícies moleculares lisas - uma ponta deslizando sobre um substrato, ambas cobertas por uma camada de grafeno. Os dados, coletados por microscopia de força lateral, foram usados para alimentar simulações computadorizadas de dinâmica molecular, para criar um modelo muito realista do fenômeno real.
As duas superfícies são incomensuráveis, o que significa que as potenciais "colinas" na estrutura molecular de uma superfície não devem caber nos potenciais "vales" da outra superfície. As superfícies são como duas caixas de ovos juntas - se se encaixarem, elas travarão e será necessária mais força para causar o deslizamento.
Se a temperatura das superfícies não for zero, surge a força de atrito, devido às ondulações superficiais, causadas por flutuações térmicas. Os cientistas demonstraram que o atrito se origina das flutuações térmicas "sincrônicas", quando duas superfícies dobram-se simultaneamente, permanecendo em contato estreito. Quanto maior for a temperatura das superfícies, maior será a amplitude das flutuações sincrônicas; e quanto maior a área de contato, maior o número de flutuações superficiais que dificultam o movimento relativo.
"Fomos capazes de explicar o mecanismo atomístico da enigmática independência da força de atrito sobre o peso de um corpo e formulamos novas leis de atrito para a superlubricidade. Estas leis, embora estejam em nítido contraste com as leis de Amontons-Coulomb, descrevem este fenômeno bastante bem.
"Uma vez que camadas moleculares de superfície lisa sejam produzidas na escala de milímetros ou centímetros, todos os contatos móveis, giratórios e oscilantes em máquinas e mecanismos serão cobertos com tais camadas superficiais. Isso diminuirá drasticamente o consumo de energia em todo o mundo. Para diminuir ainda mais o consumo de energia, os maiores contatos serão possivelmente mantidos em baixas temperaturas," prevê Brilliantov.