Redação do Site Inovação Tecnológica - 14/09/2022
Entendendo o atrito
Quando duas superfícies metálicas deslizam uma contra a outra, ocorre uma variedade de fenômenos complicados que levam ao atrito e ao desgaste: Pequenas regiões cristalinas, das quais os metais são tipicamente compostos, podem ser deformadas, torcidas ou quebradas, ou mesmo fundidas.
É muito importante que a indústria compreenda esses efeitos, seja para se livrar deles, seja para reforçá-los - o atrito pode ser o vilão para um fabricante de motores, mas pode ser o mocinho para um fabricante de lixas e abrasivos.
A intuição nos diz que, quanto mais rápido as duas superfícies deslizarem uma pela outra, maior será o desgaste.
Mas Stefan Eder, da Universidade Tecnológica de Viena, na Áustria, não se contentou com a intuição, e então se preparou para testar esse fenômeno em velocidades muito difíceis de monitorar com precisão em laboratório.
"No passado, o atrito e o desgaste só podiam ser estudados em experimentos," justificou ele. "Somente nos últimos anos os supercomputadores se tornaram poderosos o suficiente para podermos modelar os processos altamente complexos na superfície do material em escala atômica."
E a surpresa não se fez esperar.
Embora inicialmente o desgaste aumentasse com o aumento da velocidade da fricção entre os dois metais, em velocidades muito altas, comparáveis à velocidade de um avião de passageiros, o comportamento se reverte, com o desgaste diminuindo novamente.
Simulando situações reais
Para reforçar os efeitos práticos da pesquisa, Eder não simulou cristais perfeitos de cada metal como normalmente se faz, com um arranjo de átomos estritamente regular e livre de defeitos, mas sim várias ligas metálicas, o que fica muito mais próximo da realidade - uma liga é um arranjo geometricamente muito mais complicado de cristais, que podem ser deslocados uns dos outros ou torcidos em direções diferentes, formando o que as simulações convencionais consideram ser "defeitos".
"Isso é importante porque todos esses defeitos têm uma influência decisiva no atrito e no desgaste. Se simulássemos um metal perfeito no computador, o resultado teria pouco a ver com a realidade," reforçou Eder.
Os resultados mostraram que, em baixas velocidades, da ordem de 10 a 20 metros por segundo (m/s) o desgaste é baixo. O desgaste aumenta conforme a velocidade entra na faixa de 80 a 100 m/s, o que era de se esperar, já que mais energia é transferida para o metal por unidade de tempo.
A surpresa veio quando a velocidade superou os 300 m/s - pouco mais de 1.000 km/h. Em vez de continuar aumentando linearmente, o desgaste voltou a cair. A microestrutura do metal logo abaixo da superfície, que ficava completamente destruída nas velocidades médias, voltou a ficar praticamente intacta, um resultado surpreendente e aparentemente contraditório.
"Isso foi incrível para nós e para a comunidade de tribologia," disse Eder, citando o ramo da ciência que estuda o contato entre materiais - tribos em grego significa atrito.
Explicação do paradoxo do atrito
A equipe varreu a literatura científica e constatou que outros pesquisadores já haviam documentado essa inversão de comportamento. "Esse efeito foi observado por outros cientistas em experimentos - ele não é muito conhecido porque velocidades tão altas raramente ocorrem. No entanto, a origem deste efeito ainda não havia sido esclarecida," disse o pesquisador.
As simulações mostraram que, em altas velocidades, o atrito gera muito calor - mas de forma muito irregular. Apenas regiões isoladas nas superfícies dos dois metais que deslizam um contra o outro ficam em contato, e essas pequenas áreas podem atingir milhares de graus Celsius. No meio, contudo, o que representa a maior área dos dois materiais, a temperatura é muito mais baixa.
Como resultado, pequenas partes da superfície podem derreter e recristalizar uma fração de segundo depois. A camada mais externa do metal é assim drasticamente alterada, mas é precisamente isso que protege as regiões mais profundas do material: Apenas as camadas mais externas sentem o desgaste, com as estruturas cristalinas por baixo sofrendo poucas alterações.
"Onde quer que ocorra atrito em velocidades altas a extremamente altas, será essencial levar isso em consideração daqui por diante," disse Eder, citando rolamentos e transmissões em veículos elétricos e máquinas que retificam superfícies, como tornos e fresadoras, além do fato de que o efeito desempenha um papel na estabilidade dos metais em um acidente automobilístico ou no impacto de pequenas partículas em aeronaves de alta velocidade.