Fábio de Castro - Agência Fapesp - 26/08/2011
Modelos errados
Uma pesquisa publicada na revista Science em agosto de 2010 alertava para um suposto declínio na produtividade global das plantas, que teria sido induzido pelas secas ocorridas na última década.
O fenômeno, segundo os autores, seria uma ameaça para a segurança alimentar e para a produção de biocombustíveis.
O alerta, no entanto, acaba de ser refutado por um novo estudo realizado por uma equipe de cientistas do Brasil e dos Estados Unidos.
De acordo com o novo trabalho, publicado na edição desta sexta-feira (26/08) da Science, a pesquisa anterior teria uma série de erros de modelagem, além de levar em conta tendências estatisticamente insignificantes.
O trabalho de 2010 foi feito por Maosheng Zhao e Steven Running, ambos da Universidade de Montana (Estados Unidos). O novo artigo teve participação de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e da Universidade de Boston (Estados Unidos).
Margem de erro
De acordo com Simone Aparecida Vieira, do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp, o estudo feito por Zhao e Running utilizou imagens de satélite e modelos matemáticos para investigar a produção primária líquida terrestre (NPP, na sigla em inglês) - isto é, a quantidade de carbono efetivamente fixada na biomassa vegetal - e a variabilidade climática entre 2000 e 2009.
"Com base nos modelos, eles concluíram que houve uma redução da NPP e a atribuíram à seca verificada no hemisfério Sul naquele período. Mas há uma série de inconsistências.
Um dos problemas é que a tendência anual de queda é da ordem de 0,1% na produtividade vegetal que eles relataram, ou seja, de 1% em uma década - algo inferior à margem de erro desse tipo de medida. "Nós avaliamos os resultados do algoritmo de sensoriamento remoto deles contra medidas que fizemos no campo, e concluímos que o algoritmo deles teve um erro médio de 28%, suficiente para minar a confiança nos resultados", disse Vieira.
Os pesquisadores da UFV e da Universidade de Boston se propuseram a fazer a crítica sobre os modelos utilizados no estudo publicado em 2010. A cientista da Unicamp, que trabalha com ecologia de campo, foi convidada para contribuir com os dados provenientes do trabalho de campo de sua pesquisa de doutorado.
"As estimativas obtidas a partir da medição de árvores em campo - não apenas no meu trabalho, mas também nos de outros autores - mostram que em oito casos a quantidade de carbono fixada na vegetação foi subestimada pelo modelo. E em três casos ela foi superestimada", disse.
Variação na biomassa
Outro problema do estudo, segundo Vieira, é que, para sustentar a afirmação de que as florestas cresceram menos, ele se apoia em um artigo publicado na Science em 2009 por Oliver Phillips, da Universidade de Leeds (Reino Unido), sobre os efeitos da seca de 2005 na Amazônia.
"Aquele artigo, entretanto, não dizia que a floresta havia crescido menos. Ele demonstrava que houve uma grande mortalidade, fazendo com que a biomassa diminuísse. O crescimento, no entanto, se manteve. Vários outros artigos demonstraram isso. Há espécies de árvores que são mais sensíveis às secas, mas quando elas morrem isso acaba sendo compensado pelo crescimento de outras espécies mais resistentes, por fatores como a redução da competição por luz e água", explicou.
A suposta redução da NPP induzida pelo aumento da frequência de secas levou à conclusão de que essa diminuição poderia ter impacto negativo na produção de alimentos e biodiesel no mundo. A inferência, de acordo com Vieira, é arriscada.
"É preciso deixar claro que o aumento da frequência das secas é um fato constatado e demonstrado e não negamos isso. Mas o trabalho, da maneira como foi feito, não é capaz de provar que houve redução da NPP. Não conseguimos, por exemplo, verificar nenhuma diminuição do índice de área foliar, que seria de se esperar se houvesse de fato queda da produtividade primária", afirmou.
Falhas no algoritmo
Segundo a pesquisadora do Nepam, o novo estudo verificou falhas no algoritmo utilizado por Zhao e Running para estabelecer o modelo de NPP a partir das imagens de satélite. Os dados de satélite também foram analisados sem levar em conta a distorção causada por nuvens e aerossóis.
"O modelo que foi utilizado não consegue captar exatamente o que está ocorrendo, pois não considera a dinâmica de umidade do solo e as relações entre os vários processos ecofisiológicos do sistema. A tendência que foi apontada não foi observada nem nos nossos dados de campo, nem a partir de um algoritmo criado pelos meus colegas", disse.
As conclusões do estudo de 2010 são graves, na opinião de Vieira, por pressupor que as florestas não estão removendo dióxido de carbono da atmosfera nos níveis em que se imaginava.
"As florestas tropicais são muito importantes para a manutenção do ciclo global de carbono. Pressupor que a importância delas não é tão grande poderia enfraquecer a argumentação a favor da conservação", disse.
Reforço e resposta
A mesma edição da Science publica outro artigo no qual Belinda Medlyn, da Universidade Macquarie, na Austrália, também questiona o estudo de 2010.
"Zhao e Running descreveram que a produtividade primária líquida global declinou na última década e que essa redução foi causada por secas. Entretanto, seus resultados não são medições diretas, mas têm como base resultados de modelos nos quais se assume forte dependência da temperatura", destacou.
A Science também publica comentário de Zhao e Running sobre o questionamento feito agora pelos pesquisadores do Brasil, Austrália e Estados Unidos.
Segundo os dois, os resultados do estudo publicado em 2010 não tiveram mesmo como base medições diretas e podem ser explicados como consequências lógicas do modelo empregado na análise.
"Arindam Samanta e outros e Medlyn questionam nosso relatório sobre a redução na produtividade primária líquida global de 2000 a 2009. Nossos novos testes mostram que outros índices da vegetação tiveram alterações negativas ainda mais fortes na década. A diminuição de controles de temperatura na respiração e no estresse hídrico também não levou à produção de uma tendência positiva na NPP. Essas análises reforçam a conclusão de uma redução na NPP global induzida pela seca na última década", afirmam.