Baseado em artigo de Zoe Corbyn - BBC - 28/06/2024
Computação semelhante ao cérebro
Todos os grandes fabricantes de hardware estão trabalhando para melhorar a eficiência e diminuir o consumo de energia de seus sistemas, em resposta ao apetite crescente da computação por eletricidade, sobretudo por conta dos aplicativos de inteligência artificial.
Mas será que um caminho alternativo poderia ser construir computadores com um tipo de arquitetura fundamentalmente diferente, que seja mais eficiente em termos energéticos? Algumas empresas certamente pensam assim, e baseiam-se na estrutura e função de um órgão que utiliza uma fração da energia de um computador convencional para realizar mais operações com mais rapidez: O cérebro.
Na computação neuromórfica os dispositivos eletrônicos imitam neurônios e sinapses e estão interligados de uma forma que se assemelha à rede elétrica do cérebro.
Primeiros resultados
Não é exatamente uma novidade - os pesquisadores têm trabalhado na técnica desde a década de 1980. Mas os requisitos energéticos da revolução da IA estão aumentando a pressão para levar essa tecnologia nascente ao mundo real. Os atuais sistemas e plataformas existem principalmente como ferramentas de pesquisa científica, mas os proponentes defendem que eles poderiam proporcionar enormes ganhos em eficiência energética,
Entre aqueles com ambições comerciais estão gigantes de hardware como Intel e IBM. Um punhado de pequenas empresas também está em cena. "A oportunidade está à espera da empresa que consiga descobrir isso," disse Dan Hutcheson, analista da TechInsights. "E a oportunidade é tanta que pode ser um matador da Nvidia," acrescentou, referindo-se à maior fornecedora de hardware de IA na atualidade.
Em maio, a SpiNNcloud Systems, uma subsidiária da Universidade de Tecnologia de Dresden, na Alemanha, anunciou que começará a vender supercomputadores neuromórficos pela primeira vez e está aceitando encomendas. "Chegamos à comercialização de supercomputadores neuromórficos na frente de outras empresas", disse Hector Gonzalez.
É um desenvolvimento significativo, garante o professor Tony Kenyon, do Colégio Universitário de Londres, que trabalha na área. "Embora ainda não exista um aplicativo matador, há muitas áreas onde a computação neuromórfica proporcionará ganhos significativos em eficiência energética e desempenho, e tenho certeza de que começaremos a ver uma ampla adoção da tecnologia à medida que ela amadurece."
Diferenças dos computadores neuromórficos
A computação neuromórfica abrange uma gama de abordagens, desde simplesmente uma abordagem mais inspirada no cérebro, até uma simulação quase total do cérebro humano (da qual realmente não estamos nem perto). Mas existem algumas propriedades básicas de projeto que a diferenciam da computação convencional.
Primeiro, diferentemente dos computadores convencionais, os computadores neuromórficos não possuem memória e unidades de processamento separadas. Em vez disso, essas tarefas são executadas juntas em um chip em um único local, um conceito chamado computação na memória. Eliminar a necessidade de transferência de dados entre os dois reduz a energia utilizada e acelera o tempo de processamento, observa o professor Kenyon.
Também comum pode ser uma abordagem de computação orientada a eventos. Em contraste com a computação convencional, onde cada parte do sistema está sempre ligada e disponível para comunicar com qualquer outra parte o tempo todo, a ativação na computação neuromórfica pode ser mais esparsa. Os neurônios e sinapses artificiais só são ativados em um momento em que têm algo a comunicar, da mesma forma que muitos neurônios e sinapses em nossos cérebros só entram em ação quando há uma razão para isso. Trabalhar apenas quando há algo para processar também economiza energia.
E, embora os computadores modernos sejam digitais - usando 1s ou 0s para representar dados - uma computação neuromórfica pode ser analógica. Historicamente importante, esse método de computação depende de sinais contínuos e pode ser útil quando dados provenientes do mundo exterior precisam ser analisados.
E o software neuromórfico?
No entanto, por razões de facilidade, a maioria dos esforços neuromórficos comercialmente orientados são digitais. E as aplicações comerciais previstas enquadram-se em duas categorias principais.
Uma delas, na qual a SpiNNcloud está focada, consiste em fornecer uma plataforma com maior eficiência energética e maior desempenho para aplicações de IA - incluindo análise de imagem e vídeo, reconhecimento de fala e os grandes modelos de linguagem que alimentam aplicativos como o ChatGPT.
Outra é em aplicações de "computação na borda", onde os dados são processados não na nuvem, mas em tempo real em dispositivos conectados, mas que operam com restrições de energia. Veículos autônomos, robôs, telefones celulares e tecnologia vestível poderiam se beneficiar.
Os desafios técnicos, no entanto, permanecem. O desenvolvimento do software necessário para o funcionamento dos chips é há muito considerado o principal obstáculo ao avanço da computação neuromórfica em geral. Embora ter o hardware seja importante, ele deve ser programado para funcionar, e isso pode exigir o desenvolvimento do zero de um estilo de programação totalmente diferente daquele usado pelos computadores convencionais.
"O potencial destes dispositivos é enorme... o problema é como fazê-los funcionar," resume Hutcheson, que prevê que levará pelo menos uma década, se não duas, antes que os benefícios da computação neuromórfica sejam realmente sentidos.
Também há problemas com custos: Quer usem silício, como fazem os esforços comercialmente orientados, ou outros materiais, criar chips radicalmente novos é caro, observa o professor Kenyon.
IBM e Intel
O atual protótipo de chip neuromórfico da Intel é chamado Loihi 2. Em abril, a empresa anunciou que reuniu 1.152 deles para criar o Hala Point, um sistema de pesquisa neuromórfica em grande escala que compreende mais de 1,15 bilhão de neurônios e 128 bilhões de sinapses artificiais.
Com uma capacidade de neurônios aproximadamente equivalente a um cérebro de coruja, a Intel afirma ser o maior sistema do mundo até hoje. Mas, no momento, ainda é um projeto de pesquisa da Intel. "[Mas o Hala Point] está mostrando que há aqui alguma viabilidade real para aplicações que usam IA," ressalva Mike Davies, diretor do laboratório de computação neuromórfica da Intel.
Mais ou menos do tamanho de um forno de micro-ondas, o Hala Point é "comercialmente relevante" e "progresso rápido" está sendo feito no lado do software, diz ele.
A IBM chama seu mais recente protótipo de chip inspirado no cérebro de NorthPole. Anunciado no ano passado, é uma evolução do seu protótipo de chip TrueNorth anterior. Os testes mostram que ele é mais eficiente em termos de energia, de espaço e mais rápido do que qualquer chip atualmente no mercado, disse Dharmendra Modha, cientista-chefe em computação inspirada no cérebro da empresa. Ele acrescenta que seu grupo agora está trabalhando para demonstrar que os chips podem ser conectados em um sistema maior.
"O caminho para o mercado é uma história a ser escrita," acrescentou ele. Uma das grandes inovações do NorthPole, observa o Dr. Modha, é que ele foi projetado em conjunto com o software para que todos os recursos da arquitetura possam ser explorados desde o início.
Futuro híbrido
Outras empresas neuromórficas menores incluem BrainChip, SynSense e Innatera.
O supercomputador da SpiNNcloud comercializa a computação neuromórfica desenvolvida por pesquisadores da Universidade Técnica de Dresden e da Universidade de Manchester, sob a égide do Projeto Cérebro Humano da União Europeia. Esses esforços resultaram em dois supercomputadores neuromórficos para fins de pesquisa: A máquina SpiNNaker1, localizada na Universidade de Manchester, composta por mais de um bilhão de neurônios, e operacional desde 2018.
Uma máquina SpiNNaker2 de segunda geração na Universidade de Dresden, que está atualmente em processo de configuração, tem capacidade para emular pelo menos cinco bilhões de neurônios. Os sistemas comercialmente disponíveis oferecidos pela SpiNNcloud podem atingir um nível ainda mais elevado, de pelo menos 10 bilhões de neurónios, garante Gonzalez.
O futuro será de diferentes tipos de plataformas de computação - convencional, neuromórfica e quântica, que é outro novo tipo de computação também no horizonte - todas trabalhando juntas, opina o professor Kenyon.