Redação do Site Inovação Tecnológica - 20/09/2023
Autoaprendizado de máquina
Para serem úteis, aplicações de inteligência artificial como o ChatGPT ou o Bard precisam primeiro aprender com os dados existentes, um processo conhecido como "treinamento", que é intensivo em computação e, por decorrência, consome muita energia.
Agora, Víctor López-Pastor e Florian Marquardt, do Instituto Max Planck, na Alemanha, idealizaram uma técnica por meio da qual a inteligência artificial pode ser treinada com muito mais eficiência e em um tempo muito menor.
Para isso, em vez das redes neurais artificiais digitais utilizadas atualmente, a nova abordagem baseia-se em processos físicos.
"Nós desenvolvemos o conceito de máquina física de autoaprendizagem," explicou Marquardt. "A ideia central é realizar o treinamento na forma de um processo físico, em que os parâmetros da máquina são otimizados pelo próprio processo."
Para treinar as redes neurais artificiais convencionais, é necessário um feedback externo para ajustar a força dos muitos bilhões de conexões sinápticas.
"Dispensar esse feedback torna o treinamento muito mais eficiente," compara Marquardt. "Nosso método funciona independentemente de qual processo físico ocorre na máquina de autoaprendizagem, e nem precisamos saber o processo exato."
Fusão de sinuca com ábaco
Para exemplificar seu mecanismo de autoaprendizagem, a dupla compara o processo de treinamento da inteligência artificial como um aparelho que é um híbrido de mesa de sinuca e ábaco. Em seu experimento mental, a bola azul, com uma carga positiva, representa o conjunto de dados de treinamento. Ao ser lançada de um lado para o outro da mesa, ela apenas passa pela bola vermelha, que também está carregada positivamente, mas que está livre para se mover ao longo de um eixo, como se fosse uma pedra de um ábaco.
À medida que as duas bolas se repelem, a azul muda sua trajetória e a vermelha a sua posição no eixo. Quando a bola azul chega do outro lado da mesa, isto representa a decisão da inteligência artificial: Se o resultado não for o esperado, a posição da bola azul é alterada em conformidade.
Agora vem o passo decisivo: A bola azul é enviada de volta para o outro lado a partir da posição corrigida e segue o caminho ligeiramente deslocado. No caminho de volta, a bola azul desloca novamente a bola vermelha no eixo, porém, devido à correção no ponto de virada, a bola vermelha acaba ficando em uma posição ligeiramente diferente daquela no início do processo. A "sinapse", na forma desta esfera vermelha, é portanto adaptada para dar conta do resultado corrigido e, desta forma, aprende.
Na prática, uma máquina física de autoaprendizagem não poderia ser construída como um híbrido de ábaco e bilhar porque seria tecnicamente impossível lidar com mais de 100 bilhões de sinapses e bilhões de dados de treino. Mas a dupla já tem em vista um hardware adequado.
Processador neuromórfico de luz
Para que esse processo autoaprendizagem física funcione, o processo deve cumprir algumas condições, a mais importante das quais é que ele deve ser reversível, o que significa que deve ser possível fazê-lo avançar ou retroceder com um mínimo de perda de energia. "Além disso, o processo físico deve ser não-linear, o que aqui significa que ele deve ser suficientemente complexo," disse Marquardt.
Somente processos não-lineares podem realizar as complicadas transformações entre dados de entrada e os resultados. Por exemplo, uma bola de sinuca rolando pela mesa sem colidir com outra é uma ação linear; porém, se ela for perturbada por outra, a situação se torna não-linear.
Exemplos de processos reversíveis e não-lineares podem ser facilmente encontrados na óptica. Por isto, os dois pesquisadores já estão em contato com uma equipe com experiência no desenvolvimento de um computador neuromórfico óptico.
Esse tipo máquina processa informações na forma de ondas de luz sobrepostas, através das quais componentes adequados regulam o tipo e a força da interação dos feixes de luz, e tudo de modo massivamente paralelo, imitando o modo de funcionamento do cérebro. O objetivo dos pesquisadores é colocar em prática seu conceito de máquina física de autoaprendizagem usando esses processadores de luz.
Três anos
"Esperamos poder apresentar a primeira máquina física de autoaprendizagem em três anos," prevê Marquardt. Quando funcionar, isso permitirá usar redes neurais com um número muito maior de sinapses, que poderão ser treinadas com quantidades de dados significativamente maiores do que as atuais.
Quando as redes neurais puderem ser implementadas fora dos computadores digitais convencionais, substituídos por computadores neuromórficos treinados de forma eficiente, a inteligência artificial poderá romper com seu gargalo de grande pegada computacional e energética. "Estamos, portanto, confiantes de que as máquinas físicas de autoaprendizagem têm grandes chances de serem utilizadas no desenvolvimento da inteligência artificial," concluiu Marquardt.