Fabio Reynol - 08/01/2010
Coexistência das espécies
A ocupação desordenada de áreas naturais, a exploração predatória de recursos da natureza e a poluição são algumas ações humanas que têm trazido sérias consequências, levando o planeta a perder cada vez mais espécies animais e vegetais.
Para chamar a atenção do público para o problema, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou 2010 o Ano Internacional da Biodiversidade. Um dos eventos que abrirá oficialmente o programa será realizado em Curitiba, nesta sexta-feira (8/1), com a presença de autoridades governamentais do Brasil e do exterior, representantes da ONU e pesquisadores.
"A natureza é uma rede extremamente intrincada que precisa ser mantida para a vida existir. Porém, essa harmonia tem sido cada vez mais ameaçada," afirma Roberto Gomes de Sousa Berlinck, do Instituto de Química de São Carlos (USP) sobre a importância da coexistência das espécies.
Acima da extinção natural
De acordo com levantamentos da Convenção sobre a Diversidade Biológica (CBD), órgão da ONU que trata do problema, a taxa de perda de espécies chega a cem vezes à da extinção natural e vem crescendo exponencialmente.
Pensando em pelo menos diminuir esse ritmo, em 2002 a Conferência das Partes (COP) da CBD propôs uma série de metas a serem alcançadas até 2010 e obteve o comprometimento de vários países.
Frustrações à vista
Nos moldes da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP15), que em dezembro, em Copenhague, na Dinamarca, fez um balanço dos compromissos assumidos no Protocolo de Quioto, a COP da biodiversidade tem um encontro marcado para outubro deste ano, na cidade japonesa de Nagoya, a fim de avaliar os resultados das ações assumidas em 2002 para preservar a biodiversidade.
Como a reunião de Copenhague, a de Nagoya deverá ser igualmente frustrante. É o que pensa Berlinck, para quem a natureza tem dado sinais de que o problema continua crescendo. "A morte de recifes de corais no mundo todo e o desaparecimento das abelhas na América do Norte são apenas duas das consequências da destruição de áreas nativas", disse.
Carlos Alfredo Joly, professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas, concorda com o pessimismo. "Precisamos este ano estipular metas mais confiáveis e usar indicadores mais mensuráveis", disse, ressaltando que considera os indicadores escolhidos em 2002 um dos pontos fracos do acordo.
Natureza desconhecida
Joly também chama a atenção para a importância das pesquisas de levantamento de dados como as feitas no Programa Biota-FAPESP, que visam à caracterização, conservação e ao uso sustentável da biodiversidade. "Como saber quantas espécies desapareceram se ainda estamos fazendo os inventários?", disse.
Em dez anos, os pesquisadores do Biota-FAPESP, que tem como foco o Estado de São Paulo, catalogaram cerca de 2 mil novas espécies. Mas, para Joly, é fundamental que programas como esse sejam implantados em outras regiões do Brasil.
"Não sabemos quase nada sobre o Brasil, a última lista oficial da flora brasileira é de 1908. Há somente levantamentos regionais", disse. Joly destaca a necessidade de que sejam conduzidos inventários como o das plantas que produzem flores (fanerógamas) na flora paulista, que conta com o apoio da FAPESP e teve o seu sexto volume (lançado recentemente).
Justamente por ignorar os números exatos, Joly calcula que as estimativas da CBD sobre o desaparecimento de espécies estejam subestimadas. Atualmente, o órgão faz projeções a partir do desaparecimento de hábitats. Para cada unidade de área degradada, estima-se um determinado decréscimo das espécies que nela habitavam. No entanto, sem um levantamento taxonômico adequado não há como saber com exatidão o tamanho das perdas da biodiversidade. Muitas espécies desaparecem sem ao menos serem conhecidas.
Diversidade genética
A sobrevivência das espécies também passa pela diversidade genética, a qual deve ser considerada nos projetos de conservação, segundo os coordenadores do Biota-FAPESP. Indivíduos de uma mesma espécie que possuem pouca variação genética podem ser suscetíveis às mesmas doenças e acabar rapidamente dizimados.
"O mesmo ocorre quando vamos fazer um reflorestamento. Se não considerarmos as diversidades genéticas e não reintroduzirmos todas as espécies envolvidas, a floresta pode morrer depois de uma década por doença ou mesmo pela ausência de um animal polinizador", explicou Joly.
Para trabalhar também com a diversidade dos genes, o Programa Biota-FAPESP deverá aumentar o uso de ferramentas de biologia molecular. "Os felinos selvagens que hoje habitam canaviais e fazendas são geneticamente iguais aos seus ancestrais que viviam nas matas nativas de São Paulo?", questiona Joly. Segundo ele, responder a essa pergunta ajudará a preservar esses animais, o que ressalta a importância da biologia molecular para a biodiversidade.
Berlinck aponta que desconhecer a natureza pode custar caro. "O deslizamento de encostas neste início de ano é uma consequência do desconhecimento do que pode e do que não pode ser feito com a natureza", disse.
Segundo ele, preservar as diversas espécies é uma forma de manter e de garantir qualidade de vida também para as gerações futuras. "No entanto, é preciso que populações e governos conheçam o decréscimo crônico da biodiversidade e tomem iniciativas", disse. É isso que a ONU e os cientistas esperam de 2010.
Ano Internacional da Biodiversidade
No Ano Internacional da Biodiversidade, o Biota-FAPESP estará envolvido de diversas outras formas, tanto no Brasil como no exterior. No dia 14 de janeiro, Joly representará o programa no evento nos 350 anos da Sociedade Real Britânica, no Reino Unido. Na celebração, o professor da Unicamp participará como debatedor em discussões sobre biodiversidade e no espaço reservado para pôsteres.
No período de 22 a 25 de fevereiro, o Biota-FAPESP participará da reunião da Rede de Observações da Biodiversidade (Geo Bon), nos Estados Unidos.
No mesmo mês, nos dias 25 e 26, o programa realizará, na sede da FAPESP, em São Paulo, o Workshop International on Metabolomics in the Context of Systems Biology: A Rational Approach to Search for Lead Molecules from Nature.
No dia 22 de maio, para comemorar o Dia Internacional da Biodiversidade, o Biota-FAPESP realizará um evento com foco no Third Global Biodiversity Outlook, que terá a participação do professor Thomas Lovejoy.
Lovejoy, presidente do Centro Heiz para Ciência, Economia e Meio Ambiente e consultor chefe para biodiversidade do Banco Mundial, foi quem introduziu o termo diversidade biológica na comunidade científica em 1980.
Em outubro, o Biota-FAPESP participará da COP10, em Nagoya, em dezembro, sediará um workshop de três dias para marcar o fim do Ano Internacional da Biodiversidade e o início do Ano Internacional das Florestas (2011).
Mais informações sobre o Ano Internacional da Biodiversidade podem ser obtidos em www.cbd.int/2010 e, sobre o Biota-FAPESP, em www.biota-fapesp.net.