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Seminário sobre divulgação científica mostra fosso entre academia e sociedade

Agostinho Rosa - 23/10/2006


Estratégias para a divulgação científica na sociedade do conhecimento: este foi o tema de um seminário realizado na quinta e sexta-feira passadas na Faculdade de Veterinária da USP, São Paulo. Como editor do maior site brasileiro de divulgação científica, eu não poderia faltar ao evento, ao qual compareci, aliás, com um grande interesse e curiosidade sobre o que a academia estaria propondo como ponte sobre o fosso longamente existente entre a universidade e a sociedade.

Brilhante em seu propósito, esmerado em sua realização e elogiável na visualização que encerra das necessidades prementes de que a ciência seja, senão, num primeiro momento, compartilhada, ao menos comunicada ao grande público, o evento se mostrava promissor.

As falas lúcidas do professor Carlos Vogt, ele próprio coordenador do Laboratório de Jornalismo Científico da UNICAMP, e hoje presidente da FAPESP, e de Pierre Fayard, diretor do Cendotec, começaram dando um ar de que aquele evento poderia ser mesmo pleno em resultados. Homens da ciência e, mais do que avalistas, executores de ações das mais respeitáveis na tarefa de levar a ciência ao grande público, eles conseguiram dar um breve panorama das preocupações e dos cuidados que se deve ter ao "traduzir" a linguagem científica para uma audiência leiga.

Contudo, as esperanças de que aquele poderia ser um foro do qual sairiam definições práticas e caminhos de ação, estas esperanças se esvaíram quando começou a falar o eminente professor francês Baudouin Jurdant. Num instante, parece que fomos transportados para outro evento, que bem poderia chamar-se Pressupostos Ontológicos da Divulgação Científica. Eliminado o viés prático - como seria característico de um evento que busca traçar estratégias - o debate voltou-se inteiramente para o interior da academia. A sociedade estava de fora e, no entender do palestrante, lá deveria continuar.

O professor Jurdant demonstrou uma total insensibilidade à necessidade de que a academia fale para além de seus muros, revelando seus preconceitos a partir do momento em que insistiu em transformar a divulgação científica em "vulgarização da ciência". A ciência seria tão somente para os letrados, para aqueles que teorizam e praticam os rituais próprios dos laboratórios. Quem paga pela ciência, para quem é feita a ciência, quais seus limites éticos, a pertinência de um controle externo, enfim, um sem-número de conceitos que avançaram enormemente nos últimos anos, com contribuições valiosíssimas da própria academia, são simplesmente descartados por Jurdant.

Sob o mote de que sua "vulgarização da ciência" só levaria a uma "colonização científica da ignorância", o ilustre palestrante brindou a seleta platéia com a idéia de que ciência sem linguagem científica é ideologia.

Ideologia é acreditar que a ciência se faz apenas pela ciência; ideologia é tentar manter o saber apenas para os iniciados. Ideologia é tentar convencer os "ignorantes" de que eles devem continuar ignorantes ou então se tornar cientistas. Desculpem-me nossos caros leitores pela reprodução do termo "ignorante", tão propalado pela sumidade acadêmica - obviamente desprezamos a expressão de preconceito contida no uso de palavra tão infeliz, ainda mais voltada justamente para uma das mais elogiáveis camadas da população, que busca inteirar-se das últimas novidades da técnica e dos avanços que caracterizam sua própria civilização.

Um de seus pressupostos - do professor Jurdant - é o de que a divulgação científica não tem papel didático, porque "não se forma um físico simplesmente por meio de artigos de jornal ou revista". Gostaria eu de perguntar aos inúmeros jornalistas científicos, qual deles, em que momento, teve como objetivo que seus artigos formassem acadêmicos ou equivalessem a diplomas de cursos universitários.

"Isso só gera saber de salão, reforçando a retórica de quem quer usar a autoridade da ciência em seu próprio proveito, para demonstrar erudição," destilou Jurdant. Lendo de outra forma, deixem a autoridade da ciência para os cientistas, deixem a erudição para os cientistas; só faltou ele falar "consulte um cientista," para parafrasear um adesivo muito comumente encontrado em automóveis. Felizmente, no longo currículo do palestrante, não há nenhuma referência a que ele seja um representante eleito por sua classe ou seja porta-voz dos cientistas que ele pretende manter enclausurados em sua torre de cristal.

Para não perder o dia e nem se mostrarem indelicados com o convidado, os professores Vogt e Fayard se esmeraram em levar ao palestrante algumas questões e comentários atinentes à sua especialidade. O resultado foi um excelente debate, uma ótima aula, sem dúvida alguma, mas totalmente fora de foco, que terminou por descaracterizar o evento. Mas, mesmo aqui, cabe uma crítica àquele que está sendo alvo de nosso comentário: quando acossado por um brilhante membro da platéia, que desqualificou uma linha basilar de seu argumento, ele gaguejou várias vezes: "Não sei se você é especialista em psicanálise"; para não se humilhar com a constatação de que seu argumento é falacioso, tente desqualificar o argumentante; esta é uma tática por demais conhecida, mas baixa demais para merecer tréplicas.

Como recomendação, talvez pudéssemos agora pensar num evento intermediário, que bem poderia se chamar Prolegômenos Para Qualquer Divulgação Científica Que Se Queira Viável. Este serviria para que os acadêmicos resolvessem suas questões internas, antes de se dirigir ao público. A seguir, então, poderíamos voltar a falar em estratégias.

O professor Jurdant insistiu muito em que os saberes científicos são muito limitados, referindo-se ao fato de que a maioria dos cientistas é leiga na imensa maioria dos assuntos fora de sua especialidade, normalmente muito estreita. Talvez os organizadores possam aproveitar ao menos essa idéia na hora de selecionar os convidados a falar em um evento com um propósito tão valioso quanto este, que pretende gerar estratégias para compartilhar a ciência com a população.

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