Com informações do Jornal da Unicamp - 15/10/2011
Paradoxos
O pequeno município goiano de Quirinópolis, cuja população é de apenas 43 mil pessoas, vem sendo considerado um modelo regional de competitividade para a produção de etanol no Cerrado.
Por outro lado, a comunidade está sujeita a uma condição de vulnerabilidade territorial, com uma série de fragilizações econômicas, sociais e ambientais, decorrentes justamente da produção sucroenergética.
Esta relação, que soa contraditória, entre a competitividade para gerar um produto valorizado no mercado, como o etanol, e o surgimento de uma série de implicações negativas, resulta da extrema especialização produtiva regional.
Esta é a conclusão a que chegaram João Humberto Camelini e Ricardo Castillo, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Socialização dos prejuízos
Segundo Camelini, as políticas públicas de incentivo aos biocombustíveis têm colocado o Estado brasileiro em uma posição questionável, orientada mais pelos interesses empresariais do que pelas demandas sociais.
A expansão da monocultura canavieira e da produção sucroenergética busca aproveitar as oportunidades do mercado, mas, para isso, coloca grandes porções do território nacional a serviço de um único setor econômico.
"O senso comum diz que as usinas trazem desenvolvimento, mas não é bem assim", sinaliza o geógrafo.
Segundo ele, em geral a riqueza gerada pela produção de etanol é privadamente apropriada, enquanto os problemas, também gerados por esta atividade econômica, são socializados.
Ele aponta que a ocupação da cana é agressiva, substituindo outras culturas em regiões repletas de pequenos produtores, que acabam arrendando as terras por valores que vão sendo diminuídos a cada renovação contratual.
"A cana toma conta de tudo. Arrancam-se árvores e derrubam-se currais. O pequeno produtor já não é mais capaz de achar a sua propriedade sem auxílio de GPS," realça o pesquisador.
Mesmo querendo, esse pequeno produtor não consegue mais retornar às suas terras por falta de recursos para recuperar o que a cana destruiu e, com o tempo, se instala em definitivo nas cidades, atuando em empregos de baixa remuneração.
Cana rumo ao Cerrado
Os pesquisadores elaboraram um mapeamento das áreas com restrições ao avanço da cana, mostrando as condições inadequadas das regiões serranas, a baixa disponibilidade hídrica no Nordeste e as restrições ambientais na Amazônia e no Pantanal.
Como a região Sudeste está densamente ocupada por usinas, a busca por alternativas está se voltando para o Cerrado.
Também foi elaborado, em escala nacional, um mapa de propensão à vulnerabilidade territorial associada ao etanol, combinando diversos critérios e variáveis.
O mapa elaborado por Camelini indica as áreas para onde a expansão caminha, a localização de cada usina e sua ênfase produtiva.
A maioria das unidades no Cerrado está voltada à produção de etanol - foi por isto que o pesquisador escolheu o município goiano de Quirinópolis para seu estudo de caso.
Espalhando problemas
O pesquisador constatou que as principais atividades comerciais e de prestação de serviços da cidade estão voltadas unicamente à produção do etanol, como a revenda de máquinas agrícolas. É uma "cidade do agronegócio", que vive em função da produção do etanol.
Há cerca de seis anos, Quirinópolis recebeu duas usinas - a Boa Vista e a São Francisco, recorda Castillo. Ambas são controladas por matrizes no Estado de São Paulo, reproduzindo seu modelo de ocupação.
Com a chegada das usinas, Quirinópolis passou por mudanças: a população inchou, e o comércio cresceu até que as empreiteiras responsáveis pela construção das usinas saíram - o comércio então se estabilizou, adaptando-se às necessidades do seu novo público.
Trabalhadores rurais passaram, então, a migrar para a região durante a safra, residindo em municípios vizinhos. Esses municípios tornaram-se "cidades-dormitórios" com estrutura deficitária e péssimas condições urbanas, notadamente de habitação, comenta o pesquisador.