Redação do Site Inovação Tecnológica - 06/01/2021
Vidro líquido
Uma equipe de químicos e físicos alemães conseguiu sintetizar um material cujo estado da matéria não se enquadra nem entre os sólidos e nem entre os líquidos.
Eles o chamaram de "vidro líquido", e a comprovação da existência dessa fase anômala da matéria promete colocar mais fogo em uma das áreas mais controversas da ciência: o estudo dos vidros.
O mistério do vidro
O vidro é um dos materiais mais utilizados pela humanidade - e há mais tempo. Contudo, ele é também um dos maiores mistérios científicos.
Embora existam muitas teorias - e muitos defensores veementes de cada uma delas - o fato é que a verdadeira natureza do vidro permanece um mistério, com investigações científicas sobre suas propriedades químicas e físicas sendo feitas em laboratórios de todo o mundo.
De fato, o vidro é tudo menos um sólido convencional. Normalmente, quando um material passa de um estado líquido para um estado sólido, as moléculas se alinham para formar um padrão cristalino. No vidro, isso não acontece; em vez disso, as moléculas são efetivamente congeladas no lugar, sem tempo para que ocorra a cristalização - por isso o vidro é descrito como um material amorfo.
Esse estado estranho e desordenado é característico de vidros em diferentes sistemas e os cientistas ainda estão tentando entender como exatamente esse estado metaestável se forma.
Vidro líquido
A descoberta de Jörg Roller e seus colegas da Universidade de Constança vem adicionar mais uma camada de complexidade a esse dilema do estado físico do vidro.
Usando suspensões coloidais de partículas plásticas elipsoidais - e não esféricas, como comumente se tem feito -, Roller observou que as partículas individuais conseguiam se mover, mas eram incapazes de girar, um comportamento nunca observado anteriormente em vidros.
"Devido às suas formas distintas, nossas partículas têm orientação - em oposição às partículas esféricas - o que dá origem a tipos de comportamentos complexos inteiramente novos e não estudados anteriormente," disse o professor Andreas Zumbusch, coordenador da equipe.
Do biológico ao cosmológico
Para desvendar o que estava acontecendo, os pesquisadores mudaram as concentrações de partículas nas suspensões e monitoraram o movimento de translação e de rotação das partículas usando microscopia confocal.
"Em determinadas densidades de partículas, o movimento de orientação congelou, enquanto o movimento de translação persistiu, resultando em estados vítreos nos quais as partículas se agruparam para formar estruturas locais com orientação semelhante," contou Zumbusch.
O que os pesquisadores chamaram de vidro líquido é o resultado desses aglomerados se obstruindo mutuamente e mediando correlações espaciais características de longo alcance. Isso evita a formação de um cristal líquido, que seria o estado globalmente ordenado da matéria, conforme se esperaria pelas normas da termodinâmica.
Em outras palavras, o que ocorre no vidro líquido são duas transições de vidro concorrentes - uma transformação de fase regular e uma transformação de fase de não-equilíbrio - interagindo uma com a outra.
Os resultados sugerem ainda que uma dinâmica semelhante pode ocorrer em outros sistemas amorfos, ou não-cristalinos, o que ajudaria a lançar luzes sobre o comportamento de sistemas complexos e moléculas que variam do muito pequeno (biológico) ao muito grande (cosmológico).
O trabalho também poderá ajudar no desenvolvimento de cristais líquidos melhores, dizem os pesquisadores.