Baseado em artigo de Alexander Gelfand - JHU - 28/02/2020
Universo plano
Mais de 2.000 anos atrás, os gregos descobriram que a Terra era redonda, e não plana, e até mediram sua esfericidade com uma precisão notável.
Mas mesmo as mais modernas teorias da Física e da Cosmologia contradizem a ideia convencional de que o Universo se estenderia infinitamente em todas as direções.
Agora, um trio de cosmologistas acredita ter encontrado a solução que faltava para que a ciência possa decretar que também o Universo é esférico.
Eles analisaram dados do telescópio espacial Planck, um projeto da Agência Espacial Europeia que mapeou o fundo cósmico de micro-ondas de 2009 a 2013, um mar de radiação de baixa energia que preenche o céu e que os físicos acreditam ser um remanescente da primeira luz a inundar o Universo após o Big Bang, mais de 13 bilhões de anos atrás.
Embora o fundo cósmico de micro-ondas seja bastante uniforme e pouco brilhante, ele apresenta picos e vales em sua intensidade, que aparecem como pontos quentes e frios em um mapa de temperatura. Essas pequenas flutuações representam variações na densidade de energia do Universo primitivo.
E essas variações acabaram se traduzindo em diferenças na densidade da matéria, com os pontos quentes dando origem a aglomerados de galáxias, que agora estão espalhadas pelo céu, como se fossem sementes dando frutos em um jardim celeste - mesmo que os traços das sementes propriamente ditas permaneçam fixas no mapa da radiação.
"É um pouco como fazer arqueologia. Estamos analisando o registro fóssil de tudo que se formou posteriormente," ilustra o professor Joseph Silk, da Universidade Johns Hopkins, nos EUA, cuja equipe vem tentando há anos desbancar os "universoplanistas".
Universo esférico
A novidade é que Silk e seus colegas notaram algo estranho nos dados do Planck: Os picos na radiação cósmica de fundo são mais suaves do que o previsto. Eles atribuíram isso a um fenômeno chamado lente gravitacional, em que a luz da radiação cósmica de fundo é curvada e espalhada pela gravidade - nesse caso, a gravidade exercida pela matéria escura, o material exótico invisível que compõe aproximadamente um quarto do Universo. Ocorre que os astrônomos já sabem quanta matéria escura existe e não há o suficiente para explicar as lentes gravitacionais indicadas pelos dados do Planck.
O trio conseguiu fazer essa discrepância desaparecer introduzindo um novo parâmetro em suas equações: uma ligeira curvatura no tecido do Universo.
A ideia de um Universo curvo não é nova. A teoria geral da relatividade de Einstein permite que o Universo assuma uma variedade de formas, de plana ou esférica até um formato de sela. Mas a maioria das evidências disponíveis aponta para um Universo que se estende infinitamente em todas as direções, como uma folha de papel plana. Dispare um feixe de luz em um Universo assim, e ele continuaria indo direto para o vazio para sempre.
Em um Universo curvado, em forma de esfera, como o que a equipe postulara, no entanto, esse raio acabaria se curvando de volta e terminando exatamente onde começara.
Trocando uma anomalia por outra
Assumir que o Universo é curvado pode ter resolvido o problema das lentes gravitacionais, mas tem um preço.
Por exemplo, assim como existem picos na radiação cósmica de fundo, os astrônomos também veem picos na distribuição das galáxias que se agrupam em padrões regulares no céu. Em um universo plano, seria de se esperar que esses dois conjuntos de picos - um da energia antiga, o outro da matéria que emergisse dele - se alinhassem perfeitamente, como duas imagens harmoniosamente sobrepostas uma à outra. Isso é realmente o que os astrônomos observam.
Mas o modelo de um universo curvo construído por Silk e seus colegas prediz algo diferente, e a observação não corresponde mais ao cálculo.
"Então, passamos de uma anomalia para outra," explica Silk. Além disso, um universo curvado em forma de esfera complica os cálculos da constante de Hubble - um número que os cosmólogos usam para estimar o tamanho e a idade do Universo - e está em desacordo com a teoria da inflação cósmica, que propõe um breve período de rápida expansão apenas uma fração de segundo após o Big Bang.
Algumas flutuações em larga escala na radiação cósmica de fundo podem surgir naturalmente em um universo curvo, mas elas podem facilmente ser aleatórias - "um lançamento dos dados," diz Silk.
Teorias futuras
Então, em que acreditar quando algumas evidências apontam para um universo curvo, outras para um universo plano e outras para duas direções possíveis ao mesmo tempo?
"Neste ponto, eu diria que é confuso," admite Silk.
Um fenômeno físico anteriormente desconhecido, como uma onda de energia no universo primitivo, poderia explicar algumas dessas discrepâncias, propõe ele. Ou elas podem simplesmente surgir de erros nos dados.
Também é possível, no entanto, que os dados sejam bons e que o Universo seja realmente curvo, uma possibilidade de que medidas adicionais da radiação cósmica de fundo que os pesquisadores estão fazendo no momento poderão confirmar. Se isso for verdade, os teóricos poderão precisar revisar suas ideias sobre o Universo primitivo.
"Isso pode muito bem bater um prego no caixão da inflação e nos forçar a procurar outras teorias," disse Silk.
Como alguém que está acostumado a pensar em termos de escalas de tempo cósmicas, no entanto, ele está disposto a ter uma visão de longo prazo.
"Em décadas, ou talvez séculos - afinal, a Terra tem bilhões de anos - poderemos ter respostas que não se pareçam em nada com as que estamos pensando agora," admite ele.