Com informações da Agência Fapesp - 26/05/2022
Ultrassom no bagaço de malte
Uma equipe de quatro cientistas do Brasil e dois dos Estados Unidos demonstrou como aumentar significativamente as energias elétrica e térmica obtidas pela queima de um importante subproduto da produção de cerveja.
Cada 100 litros de cerveja gera aproximadamente 20 quilogramas de bagaço de malte, formado pela parte sólida que sobra da filtração do líquido obtido pelo esmagamento dos cereais.
A técnica consiste em submeter o resíduo a ondas de ultrassom, as mesmas usadas em exames médicos. O ultrassom é aplicado antes da etapa de digestão anaeróbia, o processo microbiológico que produz o gás metano, que se torna um biocombustível de alto valor.
O pré-tratamento com ultrassom gerou biogás com 56% de metano, 27% mais do que o obtido sem a aplicação desta nova etapa.
A eletricidade produzida pelo biogás compensou 80% da energia necessária para o pré-tratamento com ultrassom e para a digestão anaeróbia, gerando ainda um excedente de energia térmica 50% superior, em comparação com o excedente de calor que seria obtido no processo sem aplicação do ultrassom.
Após ser purificado em metano, o biogás pode ser usado como biocombustível veicular com pegada de carbono muito baixa quando comparada à de fontes fósseis convencionais. Além disso, com a queima do metano em cogeradores é possível produzir eletricidade e calor para a utilização pela própria indústria cervejeira - com cada tonelada de bagaço de malte é possível produzir 0,23 megawatt-hora em energia elétrica.
Já o resíduo final do processo resulta em biofertilizantes, que podem ser aplicados para substituir os fertilizantes minerais.
"As pesquisas que visam a valorização de resíduos sólidos orgânicos são valiosas para a indústria e também para a sociedade. [...] Aplicamos um pré-tratamento de ultrassom - uma tecnologia ainda incipiente, usualmente aplicada em escala laboratorial - e com isso obtivemos maior produção de metano. Os resultados foram muito bons," comemorou a professora Tânia Carneiro, da Unicamp.
Resíduos da indústria cervejeira
Os resíduos da indústria cervejeira são lignocelulósicos (compostos por lignina, celulose e hemicelulose) e, portanto, a parede celular é de difícil acessibilidade para os microrganismos que participam da digestão anaeróbia.
Assim, o ultrassom desempenha uma função mecânica, quebrando essas estruturas vegetais para que as bactérias possam ter acesso a toda a massa do resíduo.
"Ao alimentar um reator de digestão anaeróbia com matéria-prima lignocelulósica, o rendimento da produção de metano será baixo, visto que os microrganismos não irão consumir essa biomassa. Por isso é necessário aplicar um pré-tratamento para melhorar a degradação da biomassa," explicou o pesquisador William Sganzerla, membro da equipe.
"O processo de digestão anaeróbia trata resíduo com alta carga orgânica, consequentemente gera nutrientes e, dentro do reator, sobra um biodigerido - fração sólida basicamente composta por material lignocelulósico tratado e rico em nitrogênio, fósforo, potássio e outros minerais. No caso do bagaço de malte, existe muito nitrogênio e a quantidade de proteína vai ser alta, viabilizando o uso desse resíduo como biofertilizante, podendo substituir o uso de NPK [fertilizante composto por nitrogênio, fósforo e potássio] mineral," explicou William.
Por exigência legal, as indústrias de alimentos já possuem estação de tratamento de águas residuárias, mas nem sempre existe o tratamento dos resíduos sólidos orgânicos, que geralmente são enviados para aterros ou, alternativamente, destinados à ração animal.