Com informações da Physics World - 25/01/2021
Tunelamento de Klein
Uma das diferenças mais intrigantes entre o que acontece na dimensão humana, descrita pela física clássica, e a dimensão atômica, descrita pela física quântica, é o fenômeno do tunelamento.
Atire uma bola numa parede, e a bola retornará a você; no reino atômico e molecular, porém, a partícula vai atravessar a parede sem destruí-la e sem fazer um buraco nela - a partícula vai "tunelar" pela barreira sólida que encontrar.
O tunelamento quântico é resultado da dualidade onda-partícula, pela qual a função de onda de uma partícula se estende para dentro e além de uma barreira. Mais especificamente, o tunelamento refere-se à habilidade de uma partícula de passar por uma barreira de energia potencial, apesar de ter energia insuficiente para cruzar a barreira se o sistema for descrito pela física clássica.
Normalmente, a probabilidade de que o tunelamento ocorra é inferior a 100%, e diminui exponencialmente à medida que a altura e a largura da barreira aumentam.
No entanto, em 1929, o físico sueco Oskar Klein calculou que um elétron viajando próximo à velocidade da luz criará um túnel através de uma barreira com 100% de certeza - independentemente da altura e da largura da barreira.
Agora, quase um século depois, Xue Jiang e colegas da Universidade de Hong Kong finalmente conseguiram demonstrar experimentalmente esse "tunelamento de Klein".
Cristais fonônicos
Testar a teoria de Klein vinha-se mostrando difícil devido aos desafios de acelerar os elétrons até a velocidade necessária e criar uma barreira apropriada para o tunelamento. Contudo, recentemente físicos descobriram que o comportamento coletivo dos elétrons no grafeno cria quasipartículas sem massa que se movem próximo à velocidade da luz - além disso, os elétrons viram líquido no grafeno.
Jiang construiu um sistema experimental que usa fônons - ondas de som - para simular o comportamento das quasipartículas relativísticas no grafeno e uma barreira feita com duas redes triangulares diferentes feitas de cilindros de acrílico.
Assim como a rede atômica 2D do grafeno afeta o comportamento dos elétrons, essas barreiras compõem o que os físicos chamam de cristais fonônicos, que afetam o comportamento das ondas sonoras, criando excitações acústicas que funcionam como quasipartículas, comportando-se como os elétrons relativísticos.
Embora os dois cristais fonônicos tenham a mesma constante de rede (a separação entre os cilindros é de 28 mm em ambos), cada um é feito de cilindros com raios diferentes (12 mm e 7 mm). A barreira de tunelamento foi criada ensanduichando uma região de 7 mm entre duas regiões de 12 mm. Embora as quasipartículas acústicas possam se mover facilmente nas regiões de 12 mm, elas encontram uma barreira potencial dentro da região de 7 mm.
Aplicações do tunelamento em sistemas sônicos
O esperado pelo comportamento convencional das partículas era que apenas algumas das quasipartículas criadas pelas ondas sonoras injetadas de um lado do cristal fonônico conseguissem passar pela barreira. Em vez disso, a equipe documentou um tunelamento de praticamente 100%, comprovando pela primeira vez a teoria de Klein.
Eles então criaram variações das barreiras, com diferentes espessuras e alturas, mas não adiantou: O tunelamento continuou próximo aos 100%.
O feito não apenas representa um avanço na física fundamental, mas também apresenta uma nova plataforma para explorar sistemas emergentes em macroescala a serem usados em aplicações como componentes lógicos integrados em chips para a manipulação de som, processamento de sinais acústicos e coleta de energia do som do ambiente.
Jiang e seus colegas também acreditam que seus resultados e seu aparato experimental possam ser usados para aumentar a transmissão de ondas sonoras através de interfaces. Isso poderia melhorar os sistemas de sonar usados para explorar regiões subaquáticas e também permitir o desenvolvimento de novos sistemas de ultrassom médico, para ver através dos obstáculos dentro do corpo humano.
"Nas comunicações acústicas atuais, a perda de transmissão de energia acústica na interface é inevitável. Se a transmitância na interface puder ser aumentada para quase 100%, a eficiência das comunicações acústicas pode ser bastante melhorada, abrindo assim aplicações de ponta," acrescentou Jiang.