Com informações da Agência Fapesp - 04/04/2023
Contínuo de Lyman
O movimento de rotação do Sol produz mudanças em seu campo magnético, gerando ciclos de atividade mais e menos intensa, com picos a cada 11 anos, aproximadamente. A fase de atividade mais intensa apresenta um grande número de ocorrências de erupções na superfície do Sol, que lançam para longe grande quantidade de partículas e liberam altos níveis de radiação.
Durante as erupções, a liberação de energia aquece a cromosfera, causando a ionização quase completa do hidrogênio atômico presente nessa região. Mas, como o plasma é muito denso, a taxa de recombinação do hidrogênio também é alta. Em consequência, estabelece-se um processo recorrente de ionização e recombinação de hidrogênio, produzindo um tipo característico de emissão de radiação, na faixa do ultravioleta, chamado de "Contínuo de Lyman" [Theodore Lyman IV (1874-1954)].
Descrições teóricas sugerem que a chamada "temperatura de cor" do Contínuo de Lyman estaria associada à temperatura do plasma que originou a erupção. Dessa forma, a temperatura de cor poderia ser utilizada como um dado para determinar a temperatura do plasma durante as tempestades solares.
E um novo estudo envolvendo a simulação das emissões de dezenas de erupções diferentes acaba de confirmar a associação entre a temperatura de cor do Espectro de Lyman e a temperatura do plasma da região onde a emissão é originada. As simulações também confirmaram que a região atinge um equilíbrio termodinâmico local entre o plasma e os fótons que compõem o Contínuo de Lyman.
"Mostramos que o Contínuo de Lyman é bastante intensificado durante as erupções solares. E que a análise do espectro do Contínuo de Lyman realmente pode ser utilizada para o diagnóstico do plasma," reforça o professor Paulo José Simões, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo.
As simulações também corroboraram um importante resultado observacional obtido a partir dos dados do observatório solar SDO (Observatório da Dinâmica Solar), que mostrou que a temperatura de cor, que nos períodos calmos se situa no patamar de 9 mil kelvins, sobe durante as erupções solares para a faixa dos 12 mil a 16 mil kelvins.
Como o Sol funciona
A enorme quantidade de energia que o Sol fornece à Terra, na forma de luz e calor, é gerada principalmente pela conversão de hidrogênio em hélio. Esse processo de fusão nuclear ocorre no interior da estrela, mas essa vasta região é inacessível à observação direta porque seus sinais não atravessam a "superfície" do Sol.
"O que conseguimos observar diretamente situa-se da superfície para fora. E a primeira camada, que se estende até uns 500 quilômetros de altitude, é chamada de fotosfera. Sua temperatura é da ordem de 5.800 kelvins. É nessa região que aparecem as manchas solares, nos lugares onde os campos magnéticos emergentes do interior inibem a convecção, mantendo o plasma mais frio - o que produz a aparência escura das manchas," explicou Paulo Simões.
Acima da fotosfera, a cromosfera estende-se por mais 2 mil quilômetros, aproximadamente. "Nessa camada, a temperatura aumenta, podendo chegar a mais de uma dezena de milhares de kelvins, e a densidade do plasma diminui. Devido a essas características, o hidrogênio atômico encontra-se parcialmente ionizado, com prótons e elétrons separados," completa o pesquisador.
No topo da cromosfera, em uma fina camada de transição, a temperatura sobe abruptamente, passando de 1 milhão de kelvins, e a densidade do plasma cai muitas ordens de grandeza. Esse súbito aquecimento na passagem da cromosfera para a coroa é um fenômeno contraintuitivo, pois seria de esperar uma diminuição da temperatura com o aumento da distância em relação à fonte.
"Ainda não temos uma explicação para isso. Diversas propostas foram apresentadas pelos físicos solares, mas nenhuma foi aceita sem reservas pela comunidade", pontua Paulo Simões.
A coroa solar estende-se rumo ao meio interplanetário, sem uma nova região de transição definida. Nela, a influência dos campos magnéticos é marcante, estruturando o plasma, especialmente nas chamadas regiões ativas, facilmente identificadas em imagens no ultravioleta. É nessas regiões ativas que as erupções solares ocorrem.
"Nessas tempestades solares, a energia acumulada nos campos magnéticos coronais é liberada de forma repentina, aquecendo o plasma e acelerando as partículas. Os elétrons, por terem massa menor, podem ser acelerados a até 30% da velocidade da luz. Uma parte dessas partículas, que viajam ao longo das linhas de força do campo magnético, é lançada no meio interplanetário. Outra parte segue o caminho oposto, da coroa para a cromosfera - onde sofre colisões no plasma de alta densidade e transfere sua energia para o meio. Esse excesso de energia aquece o plasma local, causando ionização dos átomos. A dinâmica de ionização e recombinação origina o Contínuo de Lyman," detalha o pesquisador.
Clima espacial
Os picos de atividade solar ocorrem em intervalos de aproximadamente 11 anos, compondo o chamado ciclo solar.
Durante os períodos de alta atividade, os efeitos sobre a Terra são bastante nítidos: maior ocorrência de auroras boreais, blecautes nas comunicações por rádio, incremento do efeito de cintilação nos sinais de GPS, aumento da força de arraste em satélites, reduzindo suas velocidades e, consequentemente, a altitude de suas órbitas. O conjunto desses fenômenos, juntamente com as propriedades físicas do meio interplanetário próximo à Terra, é chamado de "clima espacial".
"Além do conhecimento fundamental que proporcionam, os estudos da física das tempestades solares contribuem também para melhorar nossa capacidade de previsão do clima espacial. Esses estudos caminham sobre duas pernas: As observações diretas e as simulações baseadas em modelos computacionais. Dados observacionais nas diversas faixas do espectro eletromagnético nos permitem entender melhor a evolução das tempestades solares e as propriedades físicas do plasma envolvido no evento. Modelos computacionais, como os que empregamos no estudo em pauta, são usados para testar hipóteses e verificar interpretações das observações, uma vez que nos dão acesso a quantidades que não podem ser diretamente obtidas da análise dos dados observacionais," conclui Paulo Simões.