Com informações da Agência Fapesp - 02/08/2022
Observatório de raios gama
Astrônomos do Brasil, Itália e da África do Sul começaram a instalar o primeiro de nove telescópios Cherenkov, que serão capazes de detectar a radiação da mais alta energia produzida no Universo: os raios gama de energias extremas.
A instalação do arranjo completo de nove telescópios, no Observatório del Teide, na Espanha, deverá ser concluída até o segundo semestre de 2023, e a obtenção das primeiras imagens astronômicas está prevista para acontecer em 2024.
"A participação brasileira nesse projeto tem importância estratégica muito grande para o Brasil porque permite que o país ingresse no desenvolvimento de instrumentação para astronomia multifrequência," disse a professora Elisabete Dal Pino, do Instituto de Astronomia da USP (IAG-USP) e coordenadora do projeto.
"O [Brasil] já tem uma certa tradição em desenvolvimento de instrumentação para telescópios ópticos e radiotelescópios e agora está iniciando sua participação na astronomia de raios gama. Dessa forma, estamos cobrindo as frequências do espectro do rádio ao raio gama," avalia a astrônoma.
O instrumento desenvolvido pelos cientistas brasileiros e italianos é o primeiro telescópio que integrará o ASTRI Mini-Array, um conjunto de nove telescópios Cherenkov, com quatro metros de diâmetro cada um, cuja estrutura será a mesma utilizada nos telescópios que comporão o CTA (Cherenkov Telescope Array), o maior observatório astronômico de raios gama do mundo, uma colaboração da qual o grupo brasileiro também participa - a equipe brasileira é responsável pela construção de três dos nove telescópios do ASTRI Mini-Array.
Com custo estimado em € 400 milhões e participação de 31 países, incluindo o Brasil, o CTA deverá ser composto por uma rede de cerca de cem telescópios.
O que é um telescópio Cherekonv?
Quando os raios cósmicos vindos do espaço incidem na atmosfera, eles colidem com as moléculas do ar, dando origem a partículas secundárias subatômicas - elétrons e pósitrons -, que caem em forma de cascatas, conhecidas como chuveiros de partículas.
Essas partículas de alta energia podem viajar mais rápido do que a velocidade da luz (superluminais), dando origem a um flash azul, semelhante a uma onda de choque produzida por um avião supersônico ao quebrar a barreira do som.
Esse efeito foi previsto pelo matemático inglês Oliver Heaviside (1850-1925), mas a academia não lhe deu importância e seu trabalho foi esquecido. Mais de 50 anos depois, o físico russo Pavel Cherenkov (1904-1990) descobriu experimentalmente o efeito, que foi batizado de radiação ou luz Cherenkov.
Assim, um telescópio Cherenkov é um equipamento capaz de detectar esses chuveiros de partículas.
"A possibilidade de olhar para o Universo nessa faixa extrema do espectro só foi possível recentemente por meio de tanques de água sensíveis à radiação Cherenkov, instalados no Observatório de Raios Gama HAWC, no México, e do LHAASO [sigla em inglês de Grande Observatório de Chuveiros Aéreos de Alta Altitude, situado na China]. Mas os sinais obtidos por esses meios são de baixa resolução. Dessa forma, não é possível ter certeza em relação à fonte do sinal capturado," explicou Elisabete.
Embora a luz Cherenkov se espalhe sobre uma grande área (de 250 metros de diâmetro), o chuveiro de partículas dura apenas alguns bilionésimos de segundo e é muito raro, com uma taxa de ocorrência de um fóton de raios gama por metro quadrado por ano a partir de uma fonte luminosa forte ou de um por metro quadrado por século a partir de uma fonte luminosa fraca.
É por isso que os observatórios de raios gama devem ser compostos por vários telescópios, dotados de um grande espelho segmentado para refletir a luz Cherenkov para uma câmera de alta velocidade. Cada telescópio terá mecanismos que permitirão apontar rapidamente para os alvos almejados.
Por meio das imagens obtidas da câmera será possível digitalizar e gravar a imagem do chuveiro de raios gama para um estudo mais aprofundado de suas fontes cósmicas, como os arredores de buracos negros, remanescentes de supernovas, galáxias com núcleos ativos e pulsares.
Três tamanhos de telescópios
O CTA permitirá enxergar essas fontes de emissão de alta energia com uma resolução até dez vezes maior.
Isso será possível em razão da área de coleta do arranjo de telescópios e de uma combinação de três classes desses telescópios Cherenkov de diferentes tamanhos, distribuídos em dois locais - o maior deles no Observatório Europeu do Sul (ESO), no Deserto do Atacama, no Chile, e o outro na Observatório de los Muchachos, em La Palma, nas Ilhas Canárias, da Espanha.
Os telescópios maiores captarão os fenômenos que produzem energias menores, de pouca luz. Já os telescópios menores terão a função contrária, de observar eventos extremamente energéticos e luminosos. E os de tamanho intermediário farão a ponte entre os dois extremos.
No Cerro Paranal, numa primeira fase de construção, serão implantados 14 telescópios de médio porte, com 12 metros de diâmetro, e 37 telescópios de pequeno porte, com quatro metros de diâmetro, todos distribuídos em uma área de aproximadamente 3 km2. Esse conjunto de telescópios será voltado sobretudo para registrar eventos mais energéticos e muito luminosos na Via Láctea.
Já nas Ilhas Canárias serão instalados, nesta primeira etapa, quatro telescópios de grande porte, com 23 metros de diâmetro, e outros nove de médio porte, distribuídos em uma área com cerca de 0,5 km2. Esse conjunto terá como foco a observação de eventos extragalácticos menos energéticos e menos luminosos.
"Com essa configuração de telescópios com três diferentes tamanhos será possível observar a radiação gama em uma faixa de energia muito extensa, entre 20 gigaelétron-volt (GeV) e 300 teraelétron-volt (TeV)," explicou a professora Elisabete.