Redação do Site Inovação Tecnológica - 28/12/2018
Geração espontânea
Nossa Terra pré-histórica, bombardeada por asteroides, chuvas de rochas e relâmpagos, repleta de poças geotérmicas borbulhantes, pode não parecer muito hospitaleira hoje em dia.
Mas foi em algum lugar nesse caos físico e químico do nosso planeta primitivo que a vida se formou. Como?
Para tentar descobrir isto, há décadas os cientistas têm tentado criar réplicas em miniatura da Terra primordial em laboratório. Nesses ambientes simulados, eles procuram e testam ingredientes primordiais que teriam criado os elementos essenciais para a vida.
É mais do que uma curiosidade: saber como a Terra elaborou suas primeiras células pode ajudar na busca por vida extraterrestre. Se identificarmos os ingredientes e o ambiente necessário para desencadear a vida por geração espontânea, poderemos procurar condições semelhantes nos planetas e luas por todo o Universo.
Hipótese do mundo de RNA
Hoje, grande parte das pesquisas sobre a origem da vida se concentra em um bloco de construção específico: o RNA. Uma molécula complexa, mas versátil, o RNA armazena e transmite informações genéticas e ajuda a sintetizar proteínas, o que o torna um ótimo candidato para compor a espinha dorsal das primeiras células.
Enquanto alguns biólogos acreditam que a vida se formou a partir de moléculas mais simples e só depois evoluiu para o RNA, outros procuram indícios para provar (ou refutar) que o RNA teria nascido primeiro.
Para verificar essa "hipótese do mundo de RNA", há dois desafios principais. Primeiro, é preciso identificar quais ingredientes reagiram para criar os quatro nucleotídeos do RNA - adenina, guanina, citosina e uracila (A, G, C e U). E, segundo, é preciso determinar como o RNA armazenou e copiou informações genéticas para se replicar. Houve progressos significativos na descoberta de precursores para C e U, mas os precursores de A e G continuam indefinidos.
Agora, Seohyun Kim e Jack Szostak, da Universidade de Harvard, nos EUA, estão sugerindo que o RNA poderia ter começado com um conjunto diferente de bases de nucleotídeos. No lugar da guanina, o RNA poderia ter-se baseado em um substituto - a inosina.
"Nosso estudo sugere que as primeiras formas de vida (com A, U, C e I) podem ter surgido de um conjunto de nucleobases diferente das encontradas na vida moderna (A, U, C e G)," disse Kim.
Caminhos para o surgimento da vida
Como os pesquisadores chegaram a essa conclusão inusitada? Ocorre que as tentativas de fabricar em laboratório os nucleotídeos A e G a partir de purinas geram muitos produtos secundários indesejáveis. Recentemente, no entanto, descobriu-se uma maneira de sintetizar versões de adenosina e inosina - 8-oxo-adenosina e 8-oxo-inosina - a partir de materiais que se acredita estivessem disponíveis na Terra primitiva. Kim e seus colegas decidiram investigar se o RNA construído com esses análogos poderia se replicar de maneira eficiente.
A inosina de fato permitiu que o RNA se replicasse com alta velocidade e com poucos erros. "Ocorre que ele apresenta taxas e fidelidades razoáveis em reações de cópia de RNA. Propomos que a inosina pode ter servido como um substituto para a guanosina no início da vida," concluiu a equipe.
Isso pode ajudar a dar mais substância à "hipótese do mundo de RNA", eventualmente confirmando o papel principal do RNA na origem da vida na Terra.
Ou, outra hipótese, a ciência poderá descobrir que a Terra primitiva oferecia múltiplos caminhos para o surgimento da vida de forma espontânea.
Num ou noutro caso, armados com esse conhecimento, poderemos então tentar identificar outros planetas que possuem os ingredientes essenciais e determinar se a vida como a conhecemos está de fato disseminada por esse Universo - ou se teremos de nos preparar para lidar com formas de vida como não conhecemos, uma vida baseada em silício, por exemplo.