Redação do Site Inovação Tecnológica - 19/05/2010
Propriedade intelectual global
Uma análise inédita, feita pelo jurista Morten Walloe Tvedt, do Instituto Fridtjof Nansen, da Noruega, considera que os prováveis efeitos da introdução de um Sistema Mundial de Patentes serão predominantemente negativos para a maioria das nações do Terceiro Mundo, com efeitos tanto mais negativos quanto menos desenvolvido for o país.
O objetivo do estudo de Tvedt foi compreender como o processo em curso no âmbito da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), de harmonizar a lei de patentes em nível internacional, pode afetar os países em desenvolvimento.
Embora ainda não esteja formalmente na agenda, esse processo pode levar ao estabelecimento de um Sistema Mundial de Patentes (SMP, ou WPS - Worldwide Patent System).
Quem ganha e quem perde com o Sistema Mundial de Patentes
Nesse sistema supranacional de patentes, um bureau global de patentes, ou eventualmente alguns poucos grandes bureaus, terá a autoridade para emitir uma patente mundial, que seria juridicamente vinculativa para todos, empresas e pessoas físicas, em todos os países membros.
A conclusão geral do pesquisador é que os países em desenvolvimento terão poucas oportunidades para usar esse sistema em benefício do seu crescimento econômico, enquanto um maior número de patentes estrangeiras irá estreitar ainda mais seu espaço para as inovações.
A análise mostra que serão sobretudo a grandes empresas multinacionais, que possuem interesses em vários países, que irão se beneficiar de um Sistema Mundial de Patentes.
Os países desenvolvidos, em especial os países de língua inglesa, além de outros países onde idiomas mais importantes são utilizados, também terão a ganhar. Isto se deve principalmente porque o SMP reduziria substancialmente a duplicação de trabalho e contribuiria para reduzir as tarefas tanto para as empresas multinacionais quanto para os escritórios de patentes nacionais.
Mas isso não é necessariamente uma coisa boa para um país em desenvolvimento. A maioria dos países em desenvolvimento tem poucas, quando tem, empresas multinacionais tecnologicamente avançadas. E eles continuarão tendo que lidar com as diferenças de idiomas e tradução de patentes.
Razões para se preocupar
O professor Tvedt identifica uma série de razões importantes pelas quais os países em desenvolvimento deveriam se preocupar mais sobre a harmonização mundial das leis de patentes e com a criação de um escritório de patentes globais. A seguir, ele lista algumas:
Diminuição da margem de manobra nacional
Um Sistema Internacional de Patentes iria reduzir ou mesmo eliminar a flexibilidade disponível para os países considerarem as prioridades nacionais ao processar pedidos de patentes, e usar isto de forma estratégica para desenvolver sistemas nacionais de pesquisas e capacidade de desenvolvimento.
Por exemplo, o SMP irá provavelmente impor uma definição relativamente ampla do termo "invenção", como preferem os países industrializados, deixando os países em desenvolvimento incapazes de definir critérios mais rigorosos antes de conceder direitos de patentes.
Mais patentes estrangeiras
Com um Sistema Internacional de Patentes, as patentes seriam legalmente vinculativas também em países com mercados tão pequenos que a empresa detentora da patente não se incomodaria em obter uma patente nacional, impondo restrições adicionais às empresas e inventores locais.
Desigualdade linguística
Em um Sistema Internacional de Patentes, os pedidos de patentes somente poderão ser apresentados em alguns idiomas aceitos internacionalmente.
Inventores de muitos países estarão em risco de processos legais por violar patentes que nunca foram publicadas em uma linguagem que eles entendem.
Além disso, o "idioma da patente" passará a ter seu uso privilegiado nas áreas de pesquisa e desenvolvimento, impondo desafios à tradição acadêmica e à pesquisa aplicada realizada em países onde a língua materna não está entre as "línguas das patentes".
Posição enfraquecida do conhecimento tradicional
Também parece provável que, nas negociações para um SMP, os países mais fortes tentarão reduzir a definição de "arte prévia" - o conjunto de informações consideradas anteriormente conhecidas e, portanto, não patenteáveis.
O desafio para os interesses dos países em desenvolvimento é que, para evitar uma patente, não é suficiente que um conhecimento semelhante já exista, mas há exigências quanto à forma em que esse conhecimento está publicado e disponibilizado.
Isso pode facilmente excluir, por exemplo, o conhecimento tradicional que é transmitido por via oral ou por outros meios informais.
Fraca influência sobre a prática de patentes
Um Bureau Internacional de Patentes seria um organismo supranacional, fora do controle nacional, e provavelmente seria capaz de interpretar e reinterpretar a base jurídica da sua própria competência.
Será muito difícil para os países em desenvolvimento menos poderosos influenciarem essa mudança nas práticas.
Aumento dos custos de transação
A introdução de leis em cada área de pesquisa, com mais licenças, resultando em maior número de conflitos e processos judiciais, irá criar um aumento dos custos legais também nos países pobres, tornando-se um passo contraproducente para o desenvolvimento.
Os pobres ficam de fora
O professor Tvedt conclui que um Sistema Internacional de Patentes teria o provável efeito de deixar as necessidades dos pobres ainda menos satisfeitas do que hoje.
Com o SMP, o mundo daria mais um passo para tornar-se um mercado global, e os esforços de pesquisa e desenvolvimento seriam orientados mais ainda do que hoje para o desenvolvimento de produtos para os "globalmente ricos".
Benefícios para poucos
Somente algumas poucas consequências positivas de um Sistema Mundial de Patentes foram identificadas pela análise do pesquisador norueguês.
Empresas avançadas nos países em desenvolvimento
Para algumas empresas tecnologicamente sofisticados e orientadas globalmente, que estão localizados em alguns dos países em desenvolvimento mais avançados, o Sistema Mundial de Patentes terá o mesmo efeito positivo que para as outras empresas multinacionais, com possíveis efeitos nacionais em cascata.
Conhecimento tradicional globalmente protegido
Em um Sistema Mundial de Patentes, provavelmente não seria possível definir a arte prévia em nível nacional, o que significa que, por exemplo, o conhecimento tradicional de medicamentos que existe em um continente pode impedir as empresas de outros continentes a patentear sistemas similares.
Conclusões
O estudo encontrou muito pouca evidência de que um Sistema Mundial de Patentes venha a ser benéfico para os países em desenvolvimento.
Esta conclusão também é relevante para as pequenas e médias empresas nos países desenvolvidos: se elas não têm interesse ou capacidade para fazer valer suas patentes em nível global, o Sistema Mundial de Patentes irá provavelmente aumentar o número de patentes que elas deverão conhecer para evitar infrações.
Isso pode ter um efeito de resfriamento sobre a inovação e criar custos de transação também nos países desenvolvidos.