Redação do Site Inovação Tecnológica - 12/03/2025
Eletrônica pós-silício
Os materiais semicondutores estão na base de toda a eletrônica moderna, a matéria-prima com a qual são fabricados componentes como transistores, diodos e circuitos integrados. Graças à sua condutividade elétrica intermediária, entre os condutores, como os metais, e os isolantes, os semicondutores possuem características únicas que os tornam ideais para controlar o fluxo de corrente elétrica, permitindo criar os bits dos computadores e de tudo o mais.
Mas talvez já estejamos prontos para começar deixar para trás o semicondutor mais famoso, o silício, e criar uma nova geração de eletrônicos melhores, menores e mais rápidos - e fazer isto desenvolvendo novos semicondutores à base de metais.
É o que acabam de demonstrar Junchuan Tang e colegas da Universidade de Pequim, na China, que usaram o metal bismuto para criar um transístor com um desempenho sem precedentes, dando um passo concreto rumo à era pós-silício.
Usando nanocamadas monoatômicas de bismuto e selênio - essas camadas se tornam semicondutoras -, a equipe criou transistores 40% mais rápidos do que os transistores de silício mais modernos, fabricados com tecnologia de 3 nanômetros por empresas como Intel e TSMC. Além disso, os componentes à base de bismuto consomem 10% menos energia do que seus concorrentes.
"O desempenho e a eficiência energética deste transístor excedem os limites físicos dos transistores tradicionais à base de silício e é o transístor mais rápido e de consumo de energia mais baixo do mundo até o momento. Este trabalho original rompe o gargalo da síntese precisa de novos materiais bidimensionais e da integração heterogênea tridimensional de novos materiais com chips de baixa potência e alta velocidade na era pós-Moore, trazendo novas oportunidades para o desenvolvimento de tecnologias avançadas de chips no futuro," garante a equipe.
Até agora, a opinião geral era de que a superação da Lei de Moore só viria com a computação inspirada no cérebro.
Eletrônica 2D
Há muito tempo a indústria se debate com as dificuldades de prosseguir com o ritmo da miniaturização dos transistores de silício, que ficam cada vez mais difíceis de serem fabricados conforme se aproximam da escala atômica, além de apresentarem problemas sérios de consumo.
Isso fez aumentar o interesse nos materiais bidimensionais, mas até agora os líderes nessa vertente continuavam sendo alguns semicondutores mais tradicionais ou estrelas emergentes, como os chamados materiais de van der Waals, como a molibdenita, os dicalcogenetos de metais de transição ou mesmo o grafeno.
A equipe chinesa inovou em duas frentes. Primeiro, eles trabalharam com uma mistura heterogênea à base de bismuto (metal) e selênio (um não-metal) (Bi2O2Se/Bi2SeO5). Segundo, eles criaram uma estrutura de transístor totalmente diferente dos tradicionais transistores 3D FinFET, que vêm dominando a indústria há mais de uma década.
Batizada de GAAFET, sigla em inglês para "transístor de efeito de campo de porta total", a nova estrutura elimina a necessidade da "aleta" característica do projeto 3D dos FinFETs, aumentando a área de contato entre a porta e o canal. Um canal bidimensional de Bi2O2Se é completamente cercado por um cristal único de Bi2SeO5, formando uma estrutura heterogênea de grade totalmente cíclica de alta qualidade, com uma interface plana ultrafina de nível atômico, com espessura total na faixa de 1,2 nanômetro.
"[Nossos transistores 2D] têm trincheira atômica e espessura da camada de óxido de porta uniformes, baixa densidade de defeitos na interface, alta mobilidade eletrônica, alta taxa de comutação de corrente, oscilação de limite quase termodinâmico, melhor controle de canal e desempenho estático," afirma a equipe.
Funcionou e funcionou bem
Os pesquisadores usaram seus transistores 2D GAAFET para criar circuitos computacionais de demonstração, incluindo portas lógicas NOT, NAND e NOR, o que serviu para confirmar o baixo consumo de energia e baixa tensão operacional (0,5 V), além de um ganho excepcional - ganho é uma métrica fundamental de um transistor, expressando sua capacidade de amplificar um sinal elétrico que passa por ele.
É difícil exagerar a importância desta demonstração, que supera praticamente todas as barreiras para o desenvolvimento da eletrônica bidimensional - a eletrônica feita com base em materiais monoatômicos, ou 2D -, não apenas alcançando a precisão necessária dos componentes, mas sobretudo por superar a última geração da tecnologia baseada no silício.
Bismuto
Mostrando que o bismuto pode se tornar a estrela da nova eletrônica bidimensional, pesquisadores canadenses divulgaram simultaneamente resultados de um trabalho separado, confirmando que o metal pode servir como base para componentes eletrônicos altamente estáveis.
Embora estivessem trabalhando com amostras muito maiores, na faixa dos 68 nanômetros de espessura, Oulin Yu e colegas da Universidade McGill registraram um misterioso efeito elétrico (efeito Hall anômalo) no bismuto ultrafino que permanece inalterado em uma ampla faixa de temperatura, de quase zero absoluto (-273°C) até a temperatura ambiente.
Embora ainda não tenham uma explicação para esse comportamento, a equipe canadense sugere que a estrutura atômica do bismuto restringe o movimento dos elétrons de uma forma que imita o comportamento dos isolantes topológicos, substâncias exóticas cujas superfícies e interiores apresentam propriedades diferentes - esses materiais já se tornaram estrelas da computação quântica, mas também poderão gerar outra revolução na computação.
Essa estabilidade impressionante do bismuto poderá viabilizar o desenvolvimento de componentes eletrônicos mais eficientes, mais estáveis e até mais corretos ecologicamente, já que o bismuto não é tóxico e é biocompatível.
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