Redação do Site Inovação Tecnológica - 16/03/2020
Controle do núcleo dos átomos
Um feliz acidente no laboratório levou a uma descoberta revolucionária que não apenas resolve um problema discutido há mais de meio século, como também afeta diretamente os exames médicos e o desenvolvimento de novas tecnologias, como os computadores quânticos e os sensores.
Serwan Asaad e sua equipe da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália, conseguiram demonstrar na prática uma ideia sugerida por um físico em 1961: Controlar o núcleo de um único átomo usando apenas campos elétricos.
O fato de um spin nuclear - o momento magnético do núcleo de um átomo - poder ser controlado com campos elétricos, em vez de campos magnéticos, tem consequências de longo alcance.
A geração de campos magnéticos requer grandes bobinas e correntes elevadas, além do que é difícil limitar os campos magnéticos a espaços muito pequenos - eles tendem a ter uma ampla área de influência.
Os campos elétricos, por outro lado, podem ser produzidos na ponta de um minúsculo eletrodo e decaem bruscamente conforme aumenta a distância da ponta emissora. Isso facilitará muito o controle de átomos individuais colocados em dispositivos nanoeletrônicos, como os qubits usados nos computadores quânticos.
"Esta descoberta significa que agora temos uma rota para construir computadores quânticos usando spins de átomos individuais, sem a necessidade de qualquer campo magnético oscilante para sua operação. Além disso, podemos usar esses núcleos como sensores incrivelmente precisos de campos elétricos e magnéticos, ou para responder questões fundamentais da ciência quântica," disse o professor Andrea Morello, o mesmo que, juntamente com pesquisadores brasileiros, apresentou recentemente uma nova arquitetura radical para um computador quântico.
Ressonância elétrica nuclear
A descoberta deste novo modo de lidar com os núcleos dos átomos mexe com todo o paradigma da conhecida ressonância magnética nuclear, uma técnica que se baseia, como o próprio nome indica, nas respostas magnéticas dos núcleos dos átomos, e que é amplamente usada em campos tão diferentes quanto medicina, química e mineração.
O novo conceito, chamado ressonância elétrica nuclear, foi sugerido pela primeira vez em 1961 pelo físico holandês Nicolaas Bloembergen (1920-2017), um pioneiro da ressonância magnética e que ganhou o Prêmio Nobel em 1961 pelo desenvolvimento da espectroscopia a laser.
Serwan Asaad estava trabalhando para realizar a ressonância magnética no núcleo de um único átomo de antimônio, um elemento que possui um grande spin nuclear. No entanto, o experimento revelou algo estranho: O núcleo se recusava a responder em determinadas frequências, mas mostrava uma forte resposta em outras.
Foi aí que a equipe se deu conta de que havia encontrado por acaso um modo de fazer ressonância nuclear elétrica, em vez de ressonância nuclear magnética.
Como o mundo clássico emerge do mundo quântico
"O que aconteceu foi que fabricamos um dispositivo contendo um átomo de antimônio e uma antena especial, otimizada para criar um campo magnético de alta frequência para controlar o núcleo do átomo. Nosso experimento exige que esse campo magnético seja bastante forte, então aplicamos muita energia na antena, tanto que a fizemos explodir!" contou Assad.
Acontece que, após o dano, a antena passou a criar um forte campo elétrico, em vez de um campo magnético, e passou a induzir a tão esperada ressonância nuclear elétrica.
Depois de ajustar tudo e demonstrar a capacidade de controlar o núcleo com os campos elétricos, os pesquisadores usaram modelagem computacional para entender como exatamente o campo elétrico influencia o spin do núcleo. As interpretações iniciais indicam que a ressonância elétrica nuclear é um fenômeno microscópico verdadeiramente local: O campo elétrico distorce as ligações atômicas ao redor do núcleo, fazendo com que ele se reoriente.
"Este resultado histórico abrirá um tesouro de descobertas e aplicações," disse o professor Morello. "O sistema que nós criamos tem complexidade suficiente para estudar como o mundo clássico em que vivemos todos os dias emerge do reino quântico. Além disso, podemos usar sua complexidade quântica para construir sensores de campos eletromagnéticos com uma sensibilidade largamente melhorada. E tudo isso em um dispositivo eletrônico simples fabricado em silício, controlado com pequenas tensões aplicadas a um eletrodo de metal!"