Redação do Site Inovação Tecnológica - 26/05/2023
Relógios atômicos e nucleares
Os relógios atômicos, que medem o tempo com tamanha precisão que levam 30 bilhões de anos para atrasar ou adiantar um segundo, foram cruciais para os sistemas de GPS e uma série de outras tecnologias, além de experimentos fundamentais de física e da cosmologia.
Mas já chegou a hora dessa tecnologia atual de medição do tempo dar um passinho à frente e abrir caminho para relógios ainda mais precisos.
Cientistas deram um passo importante para viabilizar um relógio que usa não um átomo, mas apenas o núcleo de um átomo, por isso chamados de "relógios nucleares", ou relógios atômicos nucleares.
Para construir um relógio, você precisa de algo que oscile periodicamente e algo que conte as oscilações. Um antigo carrilhão tem um pêndulo mecânico, cujas oscilações são registradas pelo mecanismo do relógio. Esses pêndulos foram substituídos por pequenas molas oscilantes, que permitiram construir os relógios de pulso, e, posteriormente, por cristais de quartzo, que vibram com muito mais precisão graças um fenômeno chamado piezoeletricidade.
Nos relógios atômicos, é um átomo que funciona como oscilador. Os elétrons do átomo são energizados, o que os faz saltar do seu estado fundamental para um nível mais alto de energia, chamado estado excitado. Quando a energia é desligada, ele volta ao seu estado fundamental, liberando um fóton, correspondente à energia que havia ganho. Então é uma questão de contar a frequência das partículas de luz (fótons) emitidas pelo átomo quando os elétrons energizados voltam ao seu estado fundamental.
Relógio nuclear
Nos relógios nucleares, o princípio básico é muito semelhante. A diferença é que, em vez do átomo inteiro, tira-se proveito dos vários estados de energia que podem ser encontrados no núcleo do átomo. O truque é energizar - ou excitar - o núcleo atômico precisamente, usando um laser, e então medir a radiação emitida pelo núcleo conforme ele retorna ao estado fundamental.
A dificuldade é que, de todos os núcleos atômicos conhecidos pela ciência, há apenas um que poderia se prestar a esse propósito: O núcleo do tório-229. E mesmo isso por muito tempo permaneceu como uma simples possibilidade teórica, sem contarmos ainda com a tecnologia para tirar proveito dessa ideia.
Então, em 2016, depois de 40 anos de tentativas, os físicos finalmente conseguiram confirmar experimentalmente que o tório-229 possui o estado de energia necessário para construir um relógio atômico nuclear. Esta descoberta disparou uma corrida para a construção do primeiro relógio nuclear.
Alquimia moderna
O que torna o tório-229 tão especial é que seu núcleo pode ser colocado em um estado excitado usando uma frequência de luz relativamente baixa - uma frequência muito próxima à obtida com lasers ultravioleta (UV).
Para fazer um relógio funcionar, o elemento de cronometragem e o mecanismo do relógio precisam estar perfeitamente sintonizados entre si. No caso do relógio nuclear, isso significa que você precisa saber com que frequência exata o núcleo atômico do tório-229 oscila. Só então é possível desenvolver lasers que energizam exatamente nessa frequência. Mas tentar todas as frequências possíveis com lasers diferentes levaria uma eternidade, sem mencionar que os lasers teriam primeiro que ser laboriosamente desenvolvidos no espectro de luz UV correspondente.
Para reduzir a faixa onde procurar a frequência de oscilação do tório-229, os pesquisadores adotaram uma abordagem diferente. "A natureza às vezes é misericordiosa e nos oferece várias rotas. Acontece que os lasers não são a única forma de produzir o estado excitado do núcleo de tório. Ele também ocorre quando núcleos radioativos decaem em tório-229. Então começamos com os avós e bisavós do tório, por assim dizer," disse o professor Peter Thirolf, da Universidade Ludwig-Maximilians de Munique, na Alemanha.
Esses ancestrais são o frâncio-229 e o rádio-229. Como nenhum dos dois é facilmente encontrado na natureza, eles precisam ser fabricados sinteticamente, em uma espécie de alquimia, em que um elemento é transformado em outro. Para isso, os cientistas bombardeiam núcleos de urânio com prótons acelerados a velocidades extremamente rápidas, produzindo assim vários novos núcleos, incluindo frâncio e rádio. Esses elementos então decaem rapidamente no parente radioativo do núcleo tório-229, o actínio-229.
A equipe então incorporou este actínio em cristais especiais, onde o actínio decai em tório em um estado excitado. Quando o tório volta ao seu estado fundamental, ele emite as partículas de luz cuja frequência é tão crucial para o desenvolvimento do relógio nuclear.
Uma questão de tempo
O grande feito da equipe foi justamente encaixar esse átomo de actínio no local exato do cristal onde ele pode fazer seu trabalho.
"Se os núcleos não estiverem exatamente no lugar certo no cristal, não temos chance: Os elétrons no ambiente absorvem a energia e nada que possamos medir consegue sair," contou o professor Sandro Kraemer.
A equipe conseguiu determinar a energia da transição de estado do núcleo atômico com muita precisão, comprovando na prática que um relógio nuclear baseado em tório embutido em um cristal é viável. E relógios nucleares baseados em estado sólido terão a vantagem adicional de gerar os resultados de medição muito mais rapidamente, já que podem trabalhar com um grande número de núcleos atômicos.
"Agora sabemos o comprimento de onda aproximado de que precisamos," disse Thirolf, o que simplificará drasticamente a identificação da frequência exata. Para isso, a equipe pretende criar uma excitação com um laser básico e então ir fazendo uma sintonia fina na frequência usando lasers mais precisos. Para que isso não demore muito, eles vão usar os pentes de frequência que ganharam o Nobel de Física em 2005, que permitem escanear centenas de milhares de comprimentos de onda simultaneamente, até encontrar o correto.
Todo esse esforço valerá a pena porque os relógios nucleares abrirão novas possibilidades muito além da pesquisa em física fundamental, incluindo aplicações práticas. Por exemplo, com um relógio nuclear será possível detectar as menores mudanças no campo gravitacional da Terra, como ocorre quando as placas tectônicas se deslocam ou antes de erupções vulcânicas.
A equipe acredita que dá para sonhar com os primeiros protótipos de relógio nuclear em menos de dez anos, eventualmente até mesmo a tempo para a redefinição do segundo, que ocorrerá em 2030.