Com informações da Agência Fapesp - 14/12/2015
Computação sem correlação
Talvez os computadores quânticos não precisem ser tão complicados como se pensava.
Até agora, acreditava-se que a chave da computação quântica eram as correlações entre dois ou mais sistemas. O exemplo de "correlação quântica" mais conhecido é o processo de "emaranhamento", ou entrelaçamento, que ocorre quando pares ou grupos de partículas passam a se afetar mutuamente, qualquer que seja a distância que as separe.
Agora se descobriu, contudo, que mesmo um sistema quântico isolado, ou seja, sem correlações com outros sistemas, é suficiente para implementar um algoritmo quântico mais rápido do que esse mesmo algoritmo implementado para rodar nos computadores eletrônicos clássicos.
Impensável em um computador clássico
O trabalho - teórico e experimental - foi realizado com a colaboração de pesquisadores brasileiros a partir de uma ideia apresentada pelo físico Mehmet Zafer Gedik, da Universidade Sabanci, na Turquia.
"Este trabalho traz uma importante contribuição para o debate sobre qual é o recurso responsável pelo poder de processamento superior dos computadores quânticos," explica Felipe Fernandes Fanchini, da Unesp de Bauru (SP).
"Partindo da ideia de Gedik, realizamos no Brasil um experimento, utilizando o sistema de ressonância magnética nuclear (RMN) da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos [...] e demonstramos que um circuito quântico dotado de um único sistema físico, com três ou mais níveis de energia, pode determinar a paridade de uma permutação numérica avaliando apenas uma vez a função. Isso é impensável em um protocolo clássico," detalhou Felipe.
O sistema quântico com vários níveis de energia refere-se a um "qudit" - se um qubit pode conter dois níveis de energia, um qutrit pode conter 3 níveis e assim por diante; para resumir a nomenclatura, os físicos definiram que um qudit pode conter "d" níveis de energia.
Permutações cíclicas
O que Gedik propôs foi um algoritmo quântico muito simples que determina a paridade de uma sequência. O conceito de paridade é utilizado para informar se uma sequência está em determinada ordem ou não. Por exemplo, se tomarmos os algarismos 1, 2 e 3 e estabelecermos que a sequência 1-2-3 está em ordem, as sequências 2-3-1 e 3-1-2 estarão dentro da mesma ordem, já que resultam das permutações cíclicas dos três algarismos.
Porém, as sequências 1-3-2, 3-2-1 e 2-1-3 necessitam, para serem criadas, de permutações acíclicas. Então, se convencionarmos que as três primeiras sequências são "pares", as outras três serão "ímpares".
"Em termos clássicos, a observação de um único algarismo, ou seja uma única medida, não permite dizer se a sequência é par ou ímpar. Para isso, é preciso realizar ao menos duas observações. O que Gedik demonstrou foi que, em termos quânticos, uma única medida é suficiente para determinar a paridade. Por isso, o algoritmo quântico é mais rápido do que qualquer equivalente clássico. E esse algoritmo pode ser concretizado por meio de uma única partícula. O que significa que sua eficiência não depende de nenhum tipo de correlação quântica", informou Felipe.
Contextulidade
O algoritmo quântico de rodada única não diz qual é a sequência, mas informa se ela é par ou ímpar. Isso só é possível quando existem três ou mais níveis porque, havendo apenas dois níveis, algo do tipo 1-2 ou 2-1, não é possível definir uma sequência par ou ímpar.
"Nos últimos tempos, a comunidade voltada para a computação quântica vem explorando um conceito-chave da teoria quântica, que é o conceito de 'contextualidade'. Como a 'contextualidade' também só opera a partir de três ou mais níveis, suspeitamos que ela possa estar por trás da eficácia do nosso algoritmo," acrescentou o pesquisador.
"O conceito de 'contextualidade' pode ser melhor entendido comparando-se as ideias de mensuração da física clássica e da física quântica. Na física clássica, supõe-se que a mensuração nada mais faça do que desvelar características previamente possuídas pelo sistema que está sendo medido. Por exemplo, um determinado comprimento ou uma determinada massa.
"Já na física quântica, o resultado da mensuração não depende apenas da característica que está sendo medida, mas também de como foi organizada a mensuração, e de todas as mensurações anteriores. Ou seja, o resultado depende do contexto do experimento. E a 'contextualidade' é a grandeza que descreve esse contexto", explicou Felipe.
A contextualidade foi reconhecida como uma característica necessária da teoria quântica por meio do famoso Teorema de Bell. Segundo esse teorema, publicado em 1964 pelo físico irlandês John Stewart Bell (1928 - 1990), nenhuma teoria física baseada em variáveis locais pode reproduzir todas as predições da mecânica quântica. Em outras palavras, os fenômenos físicos não podem ser descritos em termos estritamente locais, uma vez que expressam a totalidade.
"É importante frisar que em outro artigo publicado na Nature em junho de 2014, aponta a contextualidade como a possível fonte do poder da computação quântica. Nosso estudo vai no mesmo sentido, apresentando um algoritmo concreto e mais eficiente do que qualquer um jamais imaginável nos moldes clássicos."