Karen McNulty Walsh - 29/10/2011
Ver como funciona
É uma técnica básica que todos aprendemos cedo, talvez antes mesmo do jardim-de-infância: desmontar as coisas - de carrinhos de brinquedo a complicados materiais eletrônicos - pode revelar muito sobre como elas funcionam.
"Essa é uma das maneiras que os físicos usam para estudar as coisas que eles amam, eles fazem isso destruindo-as," brinca Séamus Davis, físico do Laboratório Nacional Brookhaven, dos Estados Unidos.
Davis e seus colegas usaram esta abordagem destrutiva - e uma sofisticadíssima ferramenta para "ver" os efeitos - em um material que eles têm estudado pela sua beleza intrínseca, e pelas pistas que ele pode oferecer sobre a supercondutividade, a capacidade de alguns materiais de transportar correntes elétricas sem resistência.
Os resultados revelaram como a substituição de apenas alguns átomos pode causar perturbações generalizadas das delicadas interações que dão ao material suas propriedades únicas, incluindo a supercondutividade.
Sistema de férmions pesados
O material, um composto de urânio, rutênio e silício (URu2Si2), é conhecido como um "sistema de férmions pesados".
"É um sistema onde os elétrons que chispam através do material param periodicamente para interagir com os elétrons localizados nos átomos de urânio que compõem a rede atômica, ou a estrutura do cristal," explica Davis.
Essas interações magnéticas do tipo "anda e pára" desaceleram os elétrons, fazendo com que pareça que eles têm uma massa extra, mas também contribui para a supercondutividade do material.
Em 2010, Davis e um grupo de colaboradores visualizaram esses férmions pesados pela primeira vez, usando uma técnica batizada de "imagens espectroscópicas por microscopia de tunelamento" (STM-SI), que mede o comprimento de onda dos elétrons do material em relação à sua energia.
Buracos de Kondo
A ideia deste novo estudo foi "destruir" o sistema de férmions pesados, substituindo o tório por alguns dos átomos de urânio.
O tório, ao contrário do urânio, não é magnético, portanto, em teoria, os elétrons deveriam ser capazes de se mover livremente ao redor dos átomos de tório, em vez de parar para os breves encontros magnéticos que têm com cada átomo de urânio.
Estas áreas onde os elétrons deveriam fluir livremente são conhecidas como "buracos Kondo", uma homenagem ao primeiro físico que descreveu o espalhamento dos elétrons condutores devido a impurezas magnéticas.
Elétrons fluindo livremente pode soar como uma coisa boa se você quer um material que possa carregar uma corrente sem resistência.
Mas os buracos Kondo acabam se tornando bastante destrutivos para a supercondutividade.
Ao visualizar o comportamento dos elétrons em torno de buracos Kondo, pela primeira vez, esta pesquisa ajudou a explicar porquê.
"Tem havido teorias bonitas que prever os efeitos dos buracos Kondo, mas ninguém sabia como olhar para o comportamento dos elétrons, até agora", disse Davis.
Ondas de perturbação
Trabalhando com amostras de tório dopado, feitas pelo físico Graeme Luke, na universidade canadense de McMaster, a equipe de Davis usou sua superferramenta STM-SI para visualizar o comportamento dos elétrons.
"Primeiro nós identificamos os locais dos átomos de tório na rede, então olhamos para as funções de onda da mecânica quântica dos elétrons em torno desses locais," disse Davis.
As medições confirmaram várias das previsões teóricas, incluindo a ideia proposta no ano passado pelo físico Dirk Morr, da Universidade de Illinois, de que as ondas de elétrons iriam oscilar descontroladamente ao redor dos buracos Kondo, como ondas do mar batendo em um farol.
"Nossas medições revelaram ondas de perturbação na 'cola quântica' que mantém os férmions pesados juntos," disse Davis.
Assim, destruindo o férmions pesados - que devem emparelhar-se para o material agir como um supercondutor - os buracos Kondo interrompem a supercondutividade do material.
Desordem generalizada
A técnica de visualização também revelou como apenas alguns poucos buracos Kondo podem provocar uma destruição generalizada.
"As ondas de perturbação ao redor de cada átomo de tório são como as ondas que emanam de gotas de uma chuva de verão batendo repentinamente na superfície calma de uma lagoa," disse ele. "E, tal como essas ondulações, os distúrbios eletrônicos viajam para fora uma boa distância, interagindo uns com os outros. Então, é preciso um pequeno número dessas impurezas para fazer um monte de desordem."
O que os cientistas descobriram ao estudar esse exótico sistema de férmions pesados pode também valer para o mecanismo de outros supercondutores que operam em temperaturas mais altas.
"As interações em supercondutores de alta temperatura são terrivelmente complexas," disse Davis. "Mas o entendimento do mecanismo magnético que leva ao emparelhamento nos supercondutores de férmions pesados - e como ela pode facilmente ser interrompida - pode oferecer pistas sobre como interações magnéticas semelhantes podem contribuir para a supercondutividade em outros materiais."