Redação do Site Inovação Tecnológica - 09/04/2025
Computador com plasticidade
Assim como os transistores são a base de toda a nossa eletrônica e computação, os memoristores são o componente fundamental da nascente computação neuromórfica, que imita o cérebro, prometendo fazer tudo mais rápido com um consumo muito menor de energia.
E agora esses componentes ficaram ainda melhores, reunindo características que permitem que eles superem o problema do "esquecimento catastrófico", no qual as redes neurais artificiais esquecem abruptamente informações aprendidas anteriormente quando os sistemas de inteligência artificial recebem novos conjuntos de dados para melhorar seu treinamento.
Shaochuan Chen e colegas do Centro de Pesquisa Juelich, na Alemanha, fabricaram novos componentes memorresistivos que apresentaram vantagens significativas em relação às versões anteriores: Eles funcionam em uma faixa de voltagem mais ampla, podem operar nos modos analógico e digital e são mais robustos, ou seja, menos suscetíveis a problemas de funcionamento.
"Suas propriedades únicas permitem o uso de diferentes modos de comutação para controlar a modulação do memoristor, de tal forma que as informações armazenadas não sejam perdidas," disse o professor Ilia Valov, cuja equipe é pioneira no desenvolvimento de neurônios artificiais feitos de nanofios.
O problema do esquecimento catastrófico ocorre quando redes neurais profundas são treinadas para uma nova tarefa. Ele ocorre porque uma nova otimização simplesmente substitui uma anterior. O cérebro não tem esse problema porque ele aparentemente ajusta o grau de mudança sináptica. Os neurocientistas agora já reconhecem uma nova camada no aprendizado, que eles chamam de "metaplasticidade". Eles suspeitam que é somente por meio desses diferentes graus de plasticidade que nosso cérebro pode aprender permanentemente novas tarefas sem esquecer o conteúdo antigo.
O novo memoristor faz algo semelhante.
Memoristores
Os memoristores são essencialmente resistores com memória: Sua resistência elétrica muda dependendo da tensão aplicada e, diferentemente dos componentes convencionais, seu valor de resistência permanece mesmo após a energia ter sido desligada. Isso ocorre porque os memoristores passam por mudanças estruturais - por exemplo, devido à deposição de átomos nos eletrodos.
"Elementos memorresistivos são considerados candidatos ideais para componentes de computador com capacidade de aprendizagem e inspiração neurológica, modelados no cérebro," destaca Valov.
Mas seu uso disseminado tem tropeçado em problemas na fabricação industrial - nem todos os componentes funcionam da maneira esperada - e em uma vida útil muito curta, além de serem muito sensíveis, pifando precocemente por problemas mecânicos ou de aquecimento.
A equipe então inovou de modo radical, usando novos materiais e um mecanismo de chaveamento totalmente novo. "Nós descobrimos um mecanismo memorresistivo eletroquímico fundamentalmente novo, que é quimicamente e eletricamente mais estável," explicou Valov.
Novo mecanismo para memoristor
Até agora eram conhecidos dois mecanismos principais para o funcionamento dos memoristores bipolares: Metalização eletroquímica (ECM: electrochemical metallization) e mecanismo de mudança de valência (VCM: valence change mechanism), cada um com suas vantagens e desvantagens.
Os memoristores ECM formam um filamento metálico entre os dois eletrodos, uma pequena "ponte condutora" que altera a resistência elétrica e se dissolve novamente quando a tensão é invertida. Seu parâmetro crítico é a barreira de energia (resistência) da reação eletroquímica. Ele opera com tensões de comutação mais baixas e menores tempos de comutação, mas os estados são variáveis e relativamente curtos.
Os memristores VCM, por outro lado, não alteram a resistência através do movimento de íons metálicos, mas sim através do movimento de íons de oxigênio na interface entre o eletrodo e o eletrólito, modificando a chamada barreira Schottky. Este processo é comparativamente estável, mas requer altas tensões de comutação.
"Assim, nos propusemos a projetar um memoristor que combinasse os benefícios de ambos os tipos," disse Valov, acrescentando que seus colegas especialistas sempre consideraram isso impossível. Mas era impossível nas plataformas já conhecidas, por isso eles se voltaram para novos materiais e novos modos de funcionamento.
"Nosso novo memorresistor é baseado em um princípio completamente diferente: Ele utiliza um filamento feito de óxidos metálicos, em vez de um puramente metálico, como o ECM," explicou Valov. "Esse filamento é formado pelo movimento de íons de oxigênio e tântalo e é altamente estável - ele nunca se dissolve completamente. Você pode pensar nele como um filamento que sempre existe até certo ponto e é apenas modificado quimicamente."
O resultado é um memoristor muito robusto, que a equipe batizou de memoristor de modificação de condutividade de filamento (FCM: filament conductivity modification). Os componentes baseados neste mecanismo têm várias vantagens: São química e eletricamente mais estáveis, mais resistentes a altas temperaturas, têm uma janela de tensão mais ampla e exigem tensões mais baixas para serem produzidos. Como resultado, menos componentes queimam durante o processo de fabricação, a taxa de rejeição é menor e sua vida útil é maior.
Solução para o esquecimento catastrófico
Mas tem mais: Os diferentes estados de oxidação permitem que o novo memoristor seja operado em um modo binário e/ou analógico.
Enquanto os sinais binários são digitais e podem gerar apenas dois estados, os sinais analógicos são contínuos e podem assumir qualquer valor intermediário. Essa combinação de comportamento analógico e digital é particularmente interessante para chips neuromórficos porque pode ajudar a superar o problema do esquecimento catastrófico.
Isso porque o novo memoristor ôhmico alcança algo similar à metaplasticidade aventada pela neurociência: "Suas propriedades únicas permitem o uso de diferentes modos de comutação para controlar a modulação do memoristor, de tal forma que as informações armazenadas não sejam perdidas," disse Valov.
Os pesquisadores já implementaram o novo componente memorresistivo em um modelo de uma rede neural artificial em uma simulação. Em vários conjuntos de dados de imagem, o sistema atingiu um alto nível de precisão no reconhecimento de padrões. Mas esta não é sua palavra final, e a equipe pretende continuar procurando outros materiais que possam funcionar ainda melhor e de forma mais estável do que a versão apresentada agora. "Nossos resultados avançarão ainda mais o desenvolvimento de eletrônicos para aplicações de 'computação na memória'," disse Valov.
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