Com informações da BBC - 14/11/2015
Energia para os ventos
Em menos de uma década, o Brasil passou de um país nulo em energia eólica para se tornar o 10º maior produtor do mundo - e, no centro desta mudança, a região Nordeste é protagonista.
Até 2006, a geração de eletricidade a partir do vento era inexpressiva no Brasil. Isso havia começado a mudar antes, em 2002, com o lançamento de um programa de incentivo a fontes de energia renovável pelo governo federal.
E ganhou força a partir de 2009, quando passaram a ocorrer leilões para a criação de usinas e a contratação do fornecimento desse tipo de energia, como o que foi realizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) nesta sexta-feira.
Mas a geração de energia eólica é alvo de críticos que veem prejuízos ambientais e privatização de áreas comunitárias para a criação dos parques. Além disso, ainda há dificuldades na transmissão da energia gerada até as linhas de distribuição.
Leilões de energia eólica e solar
Vinte projetos de geração de energia eólica foram contratados no 2º Leilão de Energia de Reserva 2015, realizado na última sexta-feira.
O leilão ainda contratou outros 33 empreendimentos de geração de energia solar.
Ao todo, estes projetos representam R$ 6,8 bilhões em investimentos em geração de energia solar e eólica no país nos próximos três anos. Eles serão construídos em nove Estados (BA, MG, PE, CE, TO, SP, RN, MA e PB).
Os projetos terão capacidade instalada de 548,2 megawatts, no caso da energia eólica, e 1.115 megawatts para a energia solar.
Com a disputa entre empresas, o valor da energia solar atingiu R$ 297,75/MWh, uma queda de 21% em relação ao preço inicial, de R$ 381,00/MWh. No caso da energia eólica, a redução foi de 4,5%. O preço ficou em R$ 203,46/MWh, diante de um valor inicial de R$ 213,00/MWh.
Os empreendimentos entrarão em operação a partir de 1º de novembro de 2018, com prazo contratual de 20 anos de fornecimento.
Energia eólica no Brasil
Há hoje no país 322 usinas, com capacidade de produção de 8,12 gigawatts, o equivalente à usina hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, a segunda maior em operação no Brasil, segundo a Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica). Essa fonte de energia responde atualmente por 5,8% da matriz nacional e abastece 6 milhões de residências.
De acordo com o Conselho Global de Energia Eólica, o Brasil tem a 10ª maior capacidade de geração do mundo e, em 2014, foi o quarto que mais ampliou esse potencial, atrás de China, Alemanha e Estados Unidos.
Essa transformação fez do Nordeste o polo da energia eólica no Brasil: a região responde por 75% da capacidade de produção nacional (o restante se concentra no Sul do país) e 85% da energia gerada de fato no país por essa fonte. Dos cinco maiores Estados produtores, quatro são da região: Rio Grande do Norte, Ceará, Bahia e Piauí - o Rio Grande do Sul completa a lista.
Nordeste eólico
O que torna o Nordeste tão atraente para esse tipo de atividade?
Trata-se de uma vocação natural da região, segundo o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, opinião compartilhada por especialistas.
"O vento brasileiro está predominantemente localizado na parte setentrional do Nordeste, com potencial identificado de 300 gigawatts," disse Braga à BBC Brasil. "Esse potencial tem-se revelado cada vez mais eficiente, levando a um investimento significativo nessa região."
Élbia Gannoum, presidente da Abeeólica, explica que, enquanto a média de produtividade de um gerador eólico é de 28% a 30% no mundo e supera 50% no Brasil, este índice atinge picos de 83% no Nordeste.
"Além de ter uma velocidade bem superior à necessária para geração de energia, o vento na região é unidirecional e estável, sem rajadas. Isso significa que a energia é produzida o tempo todo," afirma Gannoum. "Este tipo de vento vem do Atlântico e chega a mais três outros países: Etiópia, Venezuela e Somália. Mas eles não têm parques eólicos para aproveitá-lo."
Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que é vinculada ao Ministério de Minas e Energia, afirma que a produção eólica faz do Brasil e, por consequência, do Nordeste, um "caso de sucesso em energia eólica no mundo" que seria estudado "por países da Europa, como a Alemanha, e outros da América Latina".
"Fui convidado para integrar a mesa de abertura do seminário da associação europeia de energia eólica. Será emblemático ter um brasileiro participando de um evento feito por europeus e para europeus. Isso mostra o interesse do mundo por nós," disse Tolmasquim.
Tecnologia eólica
Avanços tecnológicos também contribuíram para tornar o processo mais competitivo no Brasil. Nos últimos dez anos, as torres de geradores ficaram mais altas, passando de 50 metros para os 100 a 120 metros atuais, o que permite captar ventos mais velozes. Ao mesmo tempo, a potência das máquinas triplicou, alcançando 3 megawatts.
Os geradores mais eficientes reduziram o custo da energia eólica. Hoje, o preço médio é 45% menor do que há dez anos, fazendo com a eólica seja a segunda energia mais barata no país, só atrás da hidrelétrica.
Ventos contrários
Especialistas apontam, no entanto, problemas e desafios para a expansão da geração de energia eólica no Nordeste. Jorge Antônio Villar, coordenador do Centro de Energia Eólica da PUC-RS, alerta ser preciso ter atenção aos prejuízos ambientais que ela pode causar.
"Estudos realizados no Ceará mostram que os parques instalados no Estado desestruturaram a dinâmica ambiental e ecológica de dunas locais, além de privatizarem áreas localizadas entre comunidades litorâneas e as praias sobre as quais elas tinham direito natural", afirma Villar. "O crescimento da atividade deveria contar com uma maior preocupação relativa aos métodos e procedimentos e uma avaliação mais rigorosa dos impactos socioambientais."
Outro aspecto diz respeito à infraestrutura. O ritmo de expansão de parques e usinas não tem sido acompanhado na mesma medida pela construção de linhas de transmissão para levar esta energia até a população.
Em 2014, uma auditoria do Tribunal de Contas da União estimou que a falta de linhas impediu, entre julho de 2012 e dezembro de 2013, que 48 parques e usinas no Rio Grande do Norte e na Bahia escoassem sua produção, gerando um prejuízo de R$ 929 milhões.