Com informações da Universidade de Amsterdã - 20/02/2023
Um ano após a publicação deste trabalho, os mesmos dois físicos usaram outra metodologia e chegaram a uma conclusão oposta. Veja a pesquisa mais recente em Termodinâmica quântica: Entropia pode de fato existir no mundo quântico.
O poder da segunda lei
A segunda lei da termodinâmica é frequentemente descrita como uma das poucas leis físicas absoluta e inquestionavelmente verdadeira: A lei afirma que a quantidade de entropia - uma propriedade física - de qualquer sistema fechado nunca pode diminuir.
E ela acrescenta uma "flecha do tempo" às ocorrências cotidianas, determinando quais processos são reversíveis e quais não são. Isso explica por que um cubo de gelo colocado em um forno quente sempre derreterá e por que o gás comprimido sempre sairá de seu recipiente (e nunca voltará) quando uma válvula for aberta para a atmosfera.
Apenas estados de entropia e energia iguais podem ser reversivelmente convertidos de um para o outro. Essa condição de reversibilidade levou à descoberta de processos termodinâmicos, como o (idealizado) ciclo de Carnot, que representa um limite superior para a eficiência com que se pode converter calor em trabalho, ou vice-versa, fazendo um sistema fechado ciclar por diferentes temperaturas e pressões.
Nossa compreensão desse processo sustentou o rápido desenvolvimento econômico durante a Revolução Industrial e está na base do funcionamento de todos os motores, sistemas de refrigeração, caldeiras etc, que movimentam nossa economia.
Entropia quântica
A beleza da segunda lei da termodinâmica é sua aplicabilidade a qualquer sistema macroscópico, independentemente dos detalhes microscópicos.
Um desses detalhes pode ser o emaranhamento, ou entrelaçamento quântico, uma conexão quântica que faz com que componentes separados do sistema compartilhem propriedades. Curiosamente, o entrelaçamento quântico compartilha muitas semelhanças profundas com a termodinâmica, embora os sistemas quânticos sejam estudados principalmente no regime microscópico. Tanto que os físicos propuseram uma noção de "entropia do entrelaçamento", que imita precisamente o papel da entropia termodinâmica, pelo menos para sistemas quânticos idealizados, que seriam perfeitamente isolados do seu ambiente.
"O entrelaçamento quântico é um recurso fundamental que sustenta grande parte do poder dos futuros computadores quânticos. Para fazer uso efetivo dele, precisamos aprender a manipulá-lo," justifica o professor Ludovico Lami, da Universidade de Amsterdã.
Uma questão fundamental é se o entrelaçamento poderia sempre ser manipulado reversivelmente, em analogia direta com o ciclo de Carnot. Fundamentalmente, essa reversibilidade precisaria se manter, pelo menos em teoria, mesmo para sistemas quânticos ruidosos (mistos), que não estivessem perfeitamente isolados do seu ambiente.
A hipótese é se seria possível estabelecer uma "segunda lei do entrelaçamento", incorporada em uma única função que generalizaria a entropia do entrelaçamento e governaria todos os protocolos de manipulação do entrelaçamento. Essa conjectura aparece em uma famosa lista de problemas em aberto na teoria da informação quântica.
Não há segunda lei do entrelaçamento
O professor Lami e seu colega Bartosz Regula (Universidade de Tóquio) agora jogaram por terra de vez essa hipótese, demonstrando que a manipulação do entrelaçamento quântico é fundamentalmente irreversível, acabando com qualquer esperança de estabelecer uma segunda lei do entrelaçamento.
Este novo resultado se baseou na construção de um estado quântico particular que é muito "caro" de se criar usando o entrelaçamento puro. A criação desse estado sempre resultará na perda de parte desse entrelaçamento, uma vez que o entrelaçamento investido nunca poderá ser totalmente recuperado. Como resultado, é inerentemente impossível transformar esse estado em outro e vice-versa. Diga-se de passagem, a existência de tais estados tão "únicos" era desconhecida até a realização deste experimento.
Como a abordagem usada não pressupõe quais protocolos de transformação exatos são usados, ela exclui a reversibilidade do entrelaçamento em todas as configurações possíveis. E aplica-se a todos os protocolos, supondo que eles próprios não gerem um novo entrelaçamento.
"Usar operações emaranhadas seria como administrar uma destilaria na qual álcool de outro lugar é secretamente adicionado à bebida. Nós podemos concluir que nenhuma quantidade única, algo como uma entropia do emaranhamento, pode nos dizer tudo o que há para saber sobre as transformações permitidas de sistemas físicos emaranhados. A teoria do emaranhamento e a termodinâmica são, portanto, governadas por conjuntos de leis fundamentalmente diferentes e incompatíveis," disse Lami.
Complicação bem-vinda
Isso pode significar que descrever o entrelaçamento quântico não é tão simples quanto os físicos esperavam.
Mas isso não é todo ruim: Em vez de ser uma desvantagem, a complexidade muito maior da teoria do entrelaçamento, em comparação com as leis clássicas da termodinâmica, pode nos permitir usar o entrelaçamento para alcançar feitos que de outra forma seriam completamente inconcebíveis.
"Por enquanto, o que sabemos com certeza é que o emaranhamento esconde uma estrutura ainda mais rica e complicada do que a que lhe havíamos atribuído," concluiu Lami.