Redação do Site Inovação Tecnológica - 06/05/2022
Índice de refração zero
Se os mantos de invisibilidade, as camuflagens contra terremotos e tsunamis e uma capacidade de fazer computação sem processador não foram capazes de chamar sua atenção para os metamateriais, talvez agora o trabalho Michael Lobet e seu colegas possa finalmente colocar esses materiais artificiais no lugar onde merecem.
Metamateriais são materiais artificiais com a capacidade de lidar com ondas - de ondas de luz a ondas do mar - de um modo que nenhum material natural consegue. Entre as aplicações que mais têm chamado a atenção estão as lentes planas e todo tipo de dispositivo para lidar com a luz de modo extremamente versátil.
Tão versátil que Lobet e seu professor Eric Mazur, da Universidade de Harvard, se deram conta de que os metamateriais estão colocando em questão os fundamentos da própria compreensão da luz.
Como a física vê a luz
Desde o advento da física quântica, no início do século passado, o modo como a luz se move e interage com a matéria tem sido descrito e compreendido matematicamente olhando-a sob o foco de sua energia. Por exemplo, em 1900, Max Planck usou a energia para explicar como a luz é emitida por objetos aquecidos - o chamado "corpo negro" -, um estudo seminal na fundação da mecânica quântica; e, em 1905, Albert Einstein usou a energia quando introduziu o conceito de fóton.
Mas a luz tem outra qualidade igualmente importante, o momento. Esse momento, mais conhecido como "pressão de radiação da luz", tem sido explorado nas velas solares, nas pinças ópticas, nos raios tratores e muito mais.
Foi aí que Lobet e Mazur decidiram reexaminar os fundamentos da física quântica da perspectiva do momento, explorando particularmente o que acontece quando o momento da luz é reduzido a zero.
Recuo atômico e dupla fenda
Essa revisão dos fundamentos da física está sendo possível porque, um século depois de Planck e Einstein, entraram em cena os metamateriais, que têm um índice de refração próximo de zero, o que significa que, quando a luz passa por eles, ela não viaja como uma onda em fases de cristas e vales; em vez disso, a onda se estende até o infinito, criando uma fase constante.
Quando isso acontece, muitos dos processos típicos da mecânica quântica desaparecem, incluindo o "recuo atômico" gerado pelo momento da luz - um átomo recua quando emite luz devido ao momento adquirido do fóton.
Ocorre que, quando o momento da luz é reduzido a zero, coisas muito estranhas começam a acontecer.
"Nos demos conta de que o recuo de momento de um átomo é proibido em materiais de índice [de refração] próximo de zero e que nenhuma transferência de momento é permitida entre o campo eletromagnético e o átomo," disse Lobet. "Os processos radiativos fundamentais são inibidos em materiais tridimensionais de índice próximo de zero."
Se quebrar uma das regras de Einstein não bastasse, os pesquisadores também quebraram talvez o experimento mais conhecido da física quântica: O experimento da dupla fenda de Young. Este experimento é usado em salas de aula em todo o mundo para demonstrar a dualidade partícula-onda na física quântica, mostrando que a luz pode apresentar características de ondas e de partículas.
Em um material típico, a luz que passa por duas fendas paralelas produz duas fontes coerentes de ondas que interferem entre si, formando um ponto brilhante no centro da tela, com um padrão de franjas claras e escuras em ambos os lados, conhecidas como franjas de difração - se o fóton fosse apenas uma partícula, mas não uma onda, não haveriam franjas, só dois amontoados de partículas.
"Quando modelamos e computamos numericamente o experimento de dupla fenda de Young, descobrimos que as franjas de difração desapareceram quando o índice de refração foi reduzido," contou Larissa Vertchenko, da Universidade Técnica da Dinamarca.
Incerteza de Heisenberg
E isto não foi tudo: Enquanto alguns processos fundamentais foram inibidos nos metamateriais com índice de refração próximo de zero, outros foram reforçados.
Foi o caso do princípio da incerteza de Heisenberg, mais precisamente conhecido na física como a desigualdade de Heisenberg. Este princípio afirma que você não pode conhecer a posição e a velocidade de uma partícula com precisão perfeita, e, quanto mais você sabe sobre uma, menos saberá sobre a outra.
Mas, nos materiais com índice próximo de zero, você sabe com 100% de certeza que o momento de uma partícula é zero, o que significa que você não tem absolutamente nenhuma ideia de onde a partícula está em um determinado momento.
A equipe já está planejando revisitar outros experimentos quânticos fundamentais usando os metamateriais a partir de uma perspectiva do momento. Afinal, embora Einstein não tenha previsto a criação de materiais com índice de refração próximo de zero, ele enfatizou a importância do momento. Em um artigo de 1916 sobre processos radiativos fundamentais, Einstein insistiu que, do ponto de vista teórico, energia e momento "devem ser considerados em pé de igualdade, já que energia e momento estão ligados da maneira mais próxima possível".
"Como físicos, é um sonho seguir os passos de gigantes como Einstein e levar suas ideias adiante," disse Lobet. "Esperamos poder fornecer uma nova ferramenta que os físicos possam usar e uma nova perspectiva, que possa nos ajudar a entender esses processos fundamentais e desenvolver novas aplicações".