Redação do Site Inovação Tecnológica - 18/09/2023
Rumo à computação neuromórfica
Frequentemente acreditamos que os computadores são mais eficientes do que os humanos. Afinal, os computadores podem resolver uma equação matemática complexa em um instante ou podem se "lembrar" de qualquer coisa que precisarmos.
No entanto, os cérebros humanos podem processar camadas complicadas de informação com rapidez, precisão e quase nenhum consumo de energia: Reconhecer um rosto depois de vê-lo apenas uma vez ou saber instantaneamente a diferença entre uma montanha e o oceano, por exemplo. Tarefas assim, que nos parecem tão simples, exigem processamento pesado e grande aporte de energia para os computadores e, mesmo assim, as respostas nem sempre são boas.
Mas o esforço para a criação de computadores que funcionem de modo semelhante ao cérebro - os chamados computadores neuromórficos - tem tido avanços rumo a essas máquinas que prometem revolucionar quase todos os aspectos da vida moderna, e fazer isto com requisitos mínimos de energia.
Um passo para isso foi a descoberta de maneiras de criar ou imitar as propriedades de um único elemento cerebral (como um neurônio ou sinapse) em um material quântico. A seguir, esses componentes neuromórficos juntaram as funções dos transistores e dos memoristores, dando origem inclusive a materiais não-vivos que têm memória, aprendem e reagem ao ambiente.
Voltando especificamente aos computadores, uma equipe da Universidade da Califórnia em San Diego acredita estar pronta para passar para a próxima fase da computação neuromórfica.
Ravindra Bisht e seus colegas descobriram que estímulos elétricos passados entre componentes neuromórficos vizinhos também podem afetar eletrodos distantes, uma propriedade conhecida como não-localidade. Esta descoberta é um marco crucial rumo a novos tipos de componentes e circuitos que imitam funções cerebrais, não apenas aumentando muito a velocidade dos cálculos, mas também finalmente obtendo o paralelismo massivo do processamento cerebral.
"No cérebro, entende-se que essas interações não-locais são nominais - acontecem com frequência e com esforço mínimo. Elas são parte crucial do funcionamento do cérebro, mas comportamentos semelhantes replicados em materiais sintéticos são escassos," disse o professor Alex Frañó, coordenador da equipe.
Comportamento não-local
A possibilidade teórica de que materiais sintéticos pudessem apresentar não-localidade só emergiu nesta década. Mas a equipe foi rápida em passar da teoria para uma demonstração prática.
Isto envolveu pegar uma cerâmica (uma fina película de um "material quântico" à base de níquel que apresenta interessantes propriedades eletrônicas), inserir nela íons de hidrogênio e ligá-la a um eletrodo metálico. O material quântico - um material cujo comportamento é ditado pela mecânica quântica - é uma perovskita de fórmula NdNiO3, depositada sobre um substrato de LaAlO3.
Um fio é preso ao metal, de modo que um sinal elétrico possa ser enviado ao niquelato. O sinal faz com que os átomos se movam para uma determinada configuração, que permanece quando o sinal é removido - é uma configuração não-volátil.
"É essencialmente assim que funciona uma memória," afirmou Frañó. "O componente lembra que você perturbou o material. Agora você pode ajustar para onde esses íons vão, para criar caminhos que sejam mais condutores e mais fáceis para a eletricidade fluir." E é aí que emerge o comportamento não-local, já que os pontos entre esses caminhos não precisam estar fisicamente conectados.
Tradicionalmente, criar redes que transportam eletricidade suficiente para alimentar algo como um computador requer circuitos complicados, com pontos de ligação contínuos, o que é ao mesmo tempo caro e ineficiente, perdendo energia na forma de calor conforme a eletricidade percorre fios. O novo conceito é muito mais simples porque o comportamento não-local no experimento significa que os fios de um circuito não precisam estar todos conectados uns aos outros.
Rumo às complexidades
O funcionamento do componente é análogo à forma como o cérebro aprende: Não de forma linear, mas em camadas complexas. Cada aprendizagem cria conexões em múltiplas áreas do cérebro, permitindo-nos diferenciar não apenas pessoas de árvores, mas também um rosto familiar de um desconhecido e uma espécie de árvore de outra.
Hoje, essas tarefas de reconhecimento de padrões que o cérebro executa de maneira tão rápida e natural só podem ser simuladas por meio de software de computador. Programas de IA, como o ChatGPT e o Bard, usam algoritmos complexos para imitar atividades como pensar e escrever. A novidade agora é que está nascendo um hardware correspondentemente avançado para rodar essas redes neurais de modo direto, sem precisar simular tudo por software.
A próxima etapa envolverá a criação de redes de componentes mais complexas, com mais eletrodos em configurações mais elaboradas. "É amplamente sabido que, para que esta tecnologia [de IA] realmente exploda, precisamos encontrar formas de melhorar o hardware - uma máquina física que possa realizar a tarefa em conjunto com o software. A próxima fase será aquela em que criaremos máquinas eficientes cujas propriedades físicas são as que fazem o aprendizado. Isso nos dará um novo paradigma no mundo da inteligência artificial," concluiu Frañó.