Redação do Site Inovação Tecnológica - 04/11/2022
Explosão de raios gama
Desde 9 de outubro, a explosão de raios gama GRB 221009A vem causando agitação na comunidade astronômica.
E há muito de incomum nesse evento, além do fato de ser a explosão mais poderosa já vista no Universo até hoje.
Nesta entrevista, o astrofísico Jean-Luc Atteia, do Instituto de Pesquisa em Astrofísica e Planetologia, na França, explica por que a excepcional explosão de raios gama pode mudar drasticamente o que sabemos sobre supernovas e buracos negros.
O que há de tão incomum na explosão de raios gama GRB 221009A?
Jean-Luc Atteia: Esta é uma das explosões de raios gama mais brilhantes e mais próximas já observadas, tanto que saturou a maioria dos detectores baseados na Terra e em órbita. Por vários segundos, a luminosidade da GRB 221009A ultrapassou a de um bilhão de bilhões de sóis. Ainda bem que ela estava tão longe!
A explosão veio de uma galáxia na constelação de Sagitário, localizada a 1,9 bilhão de anos-luz da Terra, enquanto explosões longas observadas anteriormente se originaram em estrelas a cerca de 10 bilhões de anos-luz de distância. Portanto, ela nos esclarecerá sobre galáxias que estão mais próximas do que o normal.
Acima de tudo, essa explosão de raios gama foi vista por inúmeros dispositivos, telescópios, detectores e equipes de pesquisa, despertando interesse em todo o mundo. Ela oferece uma oportunidade única de reunir pesquisadores e recursos, e estou convencido de que ela fornecerá uma riqueza de informações sobre esses fenômenos fascinantes.
Então, o que são explosões de raios gama?
Jean-Luc Atteia: Explosões de raios gama são fenômenos extremamente violentos que geralmente ocorrem no final da vida de uma estrela. Elas geralmente são classificadas com base em sua duração: Explosões de raios gama curtas duram apenas entre dez milissegundos e um ou dois segundos, enquanto eventos longos podem levar até um quarto de hora. E depois há as chamadas rajadas ultralongas, que podem durar várias horas, embora ainda sejam muito mal compreendidas.
Com a GRB 221009A, estamos olhando para uma longa explosão de raios gama, que é desencadeada quando uma estrela muito massiva, com um núcleo em rotação rápida, fica sem combustível. Isso faz com que se forme um buraco negro, no qual o núcleo da estrela então cai. O núcleo de rotação rápida é abruptamente desacelerado, enquanto o buraco negro engole uma quantidade de matéria equivalente a várias dezenas de milhares de vezes a massa da Terra a cada segundo.
Como resultado, uma quantidade fenomenal de energia é liberada imediatamente, embora ela tenha dificuldade em sair do buraco negro devido à enorme quantidade de matéria sendo sugada para ele. No entanto, a energia dá um jeito de escapar na forma de dois jatos de matéria e raios gama, que dão origem às explosões de raios gama.
Esses jatos só podem ser detectados se um dos dois estiver na linha de visão da Terra e, portanto, estima-se que detectemos apenas entre 0,2 e 1% das explosões de raios gama que ocorrem no Universo. A supernova produzida pela explosão das camadas externas da estrela que está morrendo às vezes pode ser observada alguns dias após a explosão.
O que há de tão interessante nas explosões de raios gama?
Jean-Luc Atteia: Nós estudamos as explosões de raios gama porque elas são praticamente os únicos sinais que temos da formação de buracos negros. Elas também lançam luz sobre a física muito complexa que ocorre nos jatos relativísticos, que viajam quase tão rápido quanto a luz. Embora apenas flashes de raios gama tenham sido inicialmente observados nessas rajadas, nos últimos 25 anos os pesquisadores notaram que o fenômeno é acompanhado por uma gama mais ampla de radiação, como infravermelho e raios X, produzidos quando o jato atinge o gás circundante.
Outra coisa útil sobre as explosões de raios gama é que elas ocorrem por todo o Universo e emitem luz tão brilhante que ela pode viajar através de várias galáxias. Durante esse processo, alguns comprimentos de onda dessa luz são absorvidos pela matéria que encontram. Isso nos permite descobrir mais sobre a composição de galáxias que estão muito distantes para serem estudadas diretamente, bem como a composição do meio intergaláctico.
O que mais podemos aprender com essa explosão?
Jean-Luc Atteia: O fato de que ela está tão próxima fez com que nos déssemos conta de que esse fenômeno é mais complexo do que se pensava. Nós normalmente vemos apenas o pico da explosão de raios gama, que dura de dez a vinte segundos. No entanto, desta vez também observamos uma explosão precursora cerca de três minutos antes, bem como uma emissão de desvanecimento bem depois do pico.
Mas o que particularmente intrigou os pesquisadores é que a explosão de raios gama também foi detectada por detectores de fótons de energia muito alta, o que foi totalmente inesperado. Ninguém supunha que a radiação cósmica desse tipo fosse capaz de percorrer distâncias tão longas da estrela que explodiu, o que levanta algumas questões sérias sobre a física envolvida.
Uma possível explicação que está sendo discutida é que esses fótons podem ser partículas secundárias, emitidas por raios cósmicos acelerados nos jatos da explosão. Isso poderia mostrar que, como as supernovas, as explosões de raios gama são fontes de raios cósmicos, que são partículas aceleradas de alta energia, principalmente prótons e alguns núcleos [atômicos]. No entanto, muito poucos objetos e eventos celestes são capazes de fornecer a energia necessária.
Um monte de trabalhos de pesquisa está sendo realizado em um esforço para elucidar a origem dos raios cósmicos. Alguns vêm da nossa própria galáxia, principalmente de supernovas, enquanto outros se originam em núcleos galácticos ativos. No entanto, nem todas as fontes foram identificadas. Saber se as explosões de raios gama podem ou não emitir raios cósmicos de altíssima energia nos ajudaria a melhorar esses modelos, que ainda estão em processo de desenvolvimento.
Fontes de raios cósmicos também são fontes de neutrinos, que, contudo, são apenas um pouco mais lentos do que os raios cósmicos e gama. A diferença pode parecer pequena, mas nessas distâncias isso significaria que quaisquer neutrinos emitidos por essa explosão de raios gama atingiriam a Terra ao longo de vários anos. Portanto, isso precisará ser monitorado, por exemplo, por instalações de detectores de neutrinos, como o IceCube, localizado na base científica Amundsen-Scott, no Pólo Sul, e o KM3NeT, que está atualmente em construção no fundo do Mar Mediterrâneo.
A explosão de raios gama GRB 221009A pode, portanto, tornar-se uma espécie de Pedra de Roseta, que poderia tornar possível decifrar os processos físicos em ação em tais eventos.