Com informações da Agência Fapesp - 10/11/2023
O que torna o Sol único
Astrônomos da USP descobriram uma correlação entre a presença de planetas ao redor de uma estrela e um baixo conteúdo de lítio nessas estrelas hospedeiras.
Essa correlação pode ajudar a explicar por que o Sol possui uma abundância de lítio anormalmente baixa em comparação com suas estrelas "gêmeas" e ajudar a identificar estrelas que possuem planetas em suas órbitas a partir da análise da sua composição química - detectar os próprios planetas é muito mais difícil do que estudar a luz das estrelas, que dá pistas sobre os elementos que a formam.
Como o Sol rege o único sistema planetário que conhecemos abrigando vida, os astrônomos voltam sua atenção para ele tentando descobrir qual aspecto torna o Sol tão único. Quão parecido ou diferente é o Sol em comparação às outras estrelas do Universo que poderia ter influenciado o surgimento da vida ao seu redor?
Diversos estudos conduzidos com "gêmeas solares" (estrelas com massa, temperatura e composição química muito parecidas com as do Sol) revelaram uma peculiaridade em nossa estrela hospedeira: Ela possui um conteúdo de lítio muito mais baixo do que suas gêmeas de mesma idade. E essa característica pode ser resultado do processo de formação do Sistema Solar.
"Todo sistema planetário - composto tanto pela estrela quanto por seus planetas - é formado a partir de uma mesma nuvem de gás e poeira. Portanto, eles têm os mesmos elementos químicos disponíveis para a sua formação. Elementos que não são facilmente condensados a altas temperaturas [como o hidrogênio ou o nitrogênio] são encontrados geralmente em forma gasosa e são usados para compor a estrela e os planetas gasosos," explicou a astrônoma Anne Rathsam.
"Por outro lado, elementos que se condensam com facilidade [por exemplo, o lítio e o ferro] formam sólidos, como os planetas rochosos. Sendo assim, é possível que o lítio seja 'roubado' da nuvem-mãe durante a formação dos sistemas planetários para compor os planetas, deixando a estrela hospedeira empobrecida em lítio," acrescentou.
Lítio nas estrelas
A pesquisa foi conduzida com dados do espectrógrafo HARPS, um instrumento instalado no telescópio de 3,6 metros do Observatório Europeu do Sul (ESO), no Chile, e envolveu a observação de 36 estrelas que possuem planetas conhecidos e 156 estrelas sem planetas detectados.
O espectrógrafo, que funciona como um prisma, decompõe a luz da estrela nas diferentes frequências e revela assinaturas que refletem a composição química da estrela. Seguindo esse princípio, os pesquisadores puderam determinar o conteúdo de lítio das estrelas estudadas, comparando as com e sem planetas em busca de possíveis correlações.
Os resultados revelam que estrelas sem planetas conservam aproximadamente o dobro do conteúdo de lítio em relação às estrelas com planetas. Os testes estatísticos indicam que é improvável que esse resultado seja fruto do acaso, ou seja, a probabilidade de que ele reflete o comportamento real das estrelas é alta (cerca de 99%).
"Encontramos mais um argumento em favor da hipótese de que o Sol possui composição química diferente de suas estrelas gêmeas devido, ao menos parcialmente, à presença de planetas," afirmou Rathsam. "Não apenas isso, mas agora podemos buscar por estrelas que possuem planetas a partir do estudo de suas abundâncias químicas. Quando identificarmos uma estrela com conteúdo de lítio anormalmente baixo, como no caso do Sol, teremos um indicativo de que ela pode ter planetas ainda não detectados em sua órbita."