Redação do Site Inovação Tecnológica - 16/03/2021
A água que espirra da superfície
A cena é linda e muito plástica, por isso é muito comum vê-la na TV ou no Youtube: Uma gota de água pinga sobre um lago, criando uma cratera, no centro da qual sobe uma torre de água, que arremessa outra gota ao atingir seu ponto mais alto.
De tão filmado e tão visto, você deve achar que os cientistas entendem toda a física envolvida neste fenômeno.
Nada tão distante da realidade. De fato, Cees van Rijn e seus colegas das universidades de Amsterdã, Delft e Paris acabam de lançar a primeira teoria completa de como essas "torres de água" se formam e colapsam.
"Uma explicação aproximada para o efeito de formação de jato é conhecida há muito tempo. Quando uma gota atinge a superfície do líquido, a superfície pode gerar uma 'cratera de impacto' temporária. Uma vez que o líquido volta rapidamente para o centro desta cratera, ele não tem para onde ir, exceto para cima, formando então o jato," explicou Cees.
Contudo, a velocidade com que a torre de líquido se forma e depois cai não bate com o que seria de se esperar pela ação da gravidade.
Este é um enigma que permanecia em aberto há mais de um século.
Jatos líquidos
Para entender como faltavam peças nesse quebra-cabeças, basta ver que os jatos líquidos não são uniformes: Eles variam conforme a substância.
Por exemplo, se você pingar uma gota de café sobre uma xícara de café, tudo vai conforme aquela descrição tradicional. Mas se, em vez de café, você pingar uma gota de leite sobre a xícara de café, a torre de líquido será quase toda branca. Ou seja, não é o café que espirra para cima retornando da cratera de impacto, é o leite que volta para cima.
Mas há mais do que isso: Quando os pesquisadores investigaram diferentes líquidos usando luz laser e câmeras ultrarrápidas, eles descobriram que, logo após a formação, a velocidade dos jatos diminui a uma taxa incrível.
"Pode-se esperar que o principal motivo da desaceleração do jato seja a gravidade puxando o líquido para baixo. No entanto, observamos que, logo após a formação, a desaceleração pode ser de 5 a até 20 vezes mais forte do que pode ser explicado apenas pela gravidade," contou o professor Cees.
Em outras palavras, se somente a gravidade estivesse atuando, essas torres de água seriam muito mais altas.
Tensão superficial vence a gravidade
Os pesquisadores levantaram a hipótese de que o principal fator responsável por essa inesperada "desaceleração supergravitacional" extrema seria a tensão superficial do líquido - o mesmo tipo de tensão que permite a formação das bolhas de sabão. Por essa hipótese, a camada externa de líquido na torre agiria de forma semelhante a uma bolha de sabão, com sua curvatura forçando o jato a desacelerar e, eventualmente, se contrair - muito mais rápido do que se poderia esperar com base apenas na gravidade.
"O efeito é mais forte quando o jato acaba de se formar. No momento em que o líquido atinge seu ponto mais alto, a situação essencialmente volta ao normal: O líquido cai de volta com no máximo duas vezes a aceleração causada pela gravidade e perde seu último bocado de aceleração extra quando a superfície é alcançada novamente. Todo o processo intrincado ocorre em aproximadamente um décimo de segundo," contou Cees.
Com essa explicação em mente, os físicos se dispuseram a criar um modelo matemático para descrever a formação do jato. Mas o modelo fez mais do que isso, revelando uma outra propriedade surpreendente dos jatos e suas torres de líquido: Os jatos sempre parecem quase iguais - a altura e a largura do jato variam com o tempo, mas, fora isso, sua forma não muda, quando seria de se esperar um fator de escala dependente do tempo para os eixos horizontal e vertical.
Essa propriedade de "auto-similaridade" permitiu aos pesquisadores criar um modelo muito preciso, que, quando comparado com medições em diferentes líquidos - água, etanol e uma mistura de água e glicerol - corresponde com muita precisão a todas as observações.
O céu é o limite
Não imagine que tudo tenha sido tão fácil quanto pingar gotas em xícaras. Em entrevista ao Site Inovação Tecnológica, Cees contou que a equipe teve grande dificuldade em publicar seus resultados em uma revista científica, basicamente porque seu modelo e seus dados desafiam todo o saber científico aceito até agora como válido.
"Foi extremamente difícil publicar nossas descobertas novas e 'contestadoras', porque jatos emanados é um tópico antigo e largamente pesquisado por engenheiros de fluidos e físicos, e 'descobertas disruptivas' não são rapidamente adotadas ou aceitas, como você pode imaginar," disse ele.
Mas, vencida esta etapa - a pesquisa acaba de ganhar destaque no site da Sociedade Norte-Americana de Física -, a equipe não quer mais limites à sua pesquisa: Eles pretendem fazer as novas etapas de experimentos no espaço, a bordo da Estação Espacial Internacional, onde será mais fácil eliminar eventuais efeitos da gravidade ainda não mensurados.
"Seria muito bom nos livrarmos completamente da gravidade e entender o papel da tensão superficial sozinha. Adoraríamos fazer nosso próximo conjunto de experimentos na Estação Espacial Internacional, para ver o que exatamente acontece em um ambiente livre de gravidade," finalizou Cees.