Redação do Site Inovação Tecnológica - 29/01/2020
Inteligência artificial vê "coisas" em Ceres
Uma rede neural artificial - uma das técnicas mais usadas de inteligência artificial - identificou uma estrutura quadrada inserida dentro de outra estrutura triangular na cratera Occator, no planeta anão Ceres.
Maior objeto no cinturão de asteroides principal, o planeta anão Ceres tornou-se famoso há alguns anos, quando a sonda Dawn revelou seus misteriosos pontos brancos em detalhes.
E esses detalhes foram ficando cada vez mais claros, conforme a sonda da NASA se aproximava, levando a todo tipo de especulação. A posição científica "oficial" hoje é que esses pontos brilhantes se originaram de emissões vulcânicas de gelo e sal.
Mas um desses pontos, chamado Vinalia Faculae, tem formas geométricas pouco observadas em ambientes naturais.
Essa peculiaridade inspirou o professor Gabriel De la Torre, da Universidade de Cádiz, na Espanha, a propor um experimento curioso: comparar como os seres humanos e as máquinas reconhecem padrões em imagens planetárias.
A proposta tem sentido, uma vez que os programas de inteligência artificial estão cada vez mais sendo usados para analisar imagens feitas por satélites e sondas espaciais, e a busca por sinais de civilizações extraterrestres é uma dessas aplicações.
Assinaturas tecnológicas de civilizações alienígenas
O objetivo final era analisar se a inteligência artificial pode realmente ajudar a descobrir "assinaturas tecnológicas" de possíveis civilizações alienígenas, eventualmente ajudando a nos livrar do Efeito Gorila Cósmico, mas também eliminando o viés bem conhecido da tendência humana de ver padrões onde eles não existem, conhecida como apofenia - e seu caso mais particular, a pareidolia.
O pesquisador reuniu 163 voluntários sem conhecimento em astronomia para que cada um dissesse o que via nas imagens da cratera Occator, de Ceres. E ele fez a mesma análise usando um sistema de visão artificial baseado em redes neurais convolucionais, previamente treinado com milhares de imagens de formas geométricas, como quadrados e triângulos.
"Tanto as pessoas quanto a inteligência artificial detectaram uma estrutura quadrada nas imagens, mas a IA também identificou um triângulo. E quando a opção triangular foi mostrada aos seres humanos, a porcentagem de pessoas que afirmavam vê-la também aumentou significativamente," contou o professor Gabriel.
Foi a inteligência artificial que sugeriu que existe uma estrutura quadrada dentro de um triângulo maior.
O que queremos ver versus o que conseguimos ver
Os resultados permitiram que o pesquisador tirasse várias conclusões.
"Por um lado, apesar de estar na moda e ter uma infinidade de aplicações, a inteligência artificial pode nos confundir e nos dizer que detectou coisas impossíveis ou falsas, e isso compromete, portanto, sua utilidade em tarefas como a busca de assinaturas tecnológicas extraterrestres em alguns casos," disse Gabriel. "Devemos ter cuidado com sua implementação e uso no SETI.
É claro que as coisas também podem ser vistas pelo ponto de vista contrário.
"Por outro lado", acrescentou o professor Gabriel, "se a IA identificar algo que nossa mente não consegue entender ou aceitar, será que ela poderia, no futuro, ir além do nosso nível de consciência e abrir as portas para realidades para as quais não estamos preparados? E se o quadrado e o triângulo de Vinalia Faculae em Ceres fossem estruturas artificiais?"
Finalmente, o neuropsicólogo aponta que os sistemas de inteligência artificial sofrem dos mesmos problemas que seus criadores: "As implicações dos vieses em seu desenvolvimento devem ser mais estudadas enquanto eles estão sendo supervisionados por seres humanos".
Considerando os pontos e contrapontos, Gabriel conclui reconhecendo que, na realidade, "não sabemos o que [as estruturas em Ceres] são, mas o que a inteligência artificial detectou em Vinalia Faculae é provavelmente apenas um jogo de luz e sombra."