Redação do Site Inovação Tecnológica - 01/10/2014
Da teoria ao sensoriamento
No dia 21 de setembro, a sonda espacial Maven, da Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos, entrou na órbita de Marte para uma missão científica específica: entender a modificação na atmosfera e no clima do planeta vermelho ao longo do tempo.
Dois dias depois, na terça-feira passada (23/09), a agência espacial da Índia (ISRO) anunciou a entrada da sonda Mangalyaan na órbita de Marte, para tentar medir a presença de metano na atmosfera do planeta.
As medições realizadas pelas duas sondas, por um período de seis meses a um ano, serão aguardadas ansiosamente por um grupo internacional de pesquisadores, integrado também por brasileiros, dedicado a estudar a origem e a evolução da vida na Terra e em outros planetas.
Trata-se do grupo focal sobre termodinâmica, desequilíbrio e evolução (TDE) do Instituto de Astrobiologia da NASA.
"O objetivo do nosso grupo é tentar preencher a lacuna entre pesquisadores que trabalham com aspectos teóricos experimentais relacionados à origem da vida e astrônomos da área de sensoriamento remoto que planejam missões espaciais, a fim de definir os alvos para a busca de vida extraterrestre", disse Eugenio Simoncini, do Instituto Nacional de Astrofísica da Itália.
Os integrantes do grupo reuniram-se pela primeira vez no Brasil, durante evento no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas (SP).
Vida pelo desequilíbrio
De acordo com Simoncini, a busca de planetas com condições de abrigar vida deve ser pautada pela procura daqueles que apresentam alto desequilíbrio químico atmosférico, como é o caso de Marte.
Uma das condições para a existência de vida em um planeta, o desequilíbrio químico atmosférico é caracterizado pela presença simultânea e em quantidades diferentes de gases reagentes - como oxigênio, hidrogênio e metano - na atmosfera planetária.
"É preciso reduzir a seleção de planetas [possivelmente] habitáveis para aqueles que apresentam alto desequilíbrio químico não relacionado a qualquer outro processo, como a fotossíntese, mas à vida", disse Simoncini, referindo-se aos mais de 1.000 exoplanetas potencialmente habitáveis já descobertos.
Há cerca de uma semana, um grupo internacional de astrônomos anunciou ter detectado, pela primeira vez, vapor d'água na atmosfera de um planeta extrassolar, o HAT-P-11b, com tamanho aproximado ao de Netuno.
Esta não foi a primeira vez que indícios químicos relacionados à vida animaram os cientistas. Em 2005, a sonda Mars Express, da Agência Espacial Europeia (ESA), detectou a presença de metano na atmosfera marciana. Mas, em 2013, os instrumentos do robô Curiosity não encontraram a quantidade de gás metano na atmosfera de Marte anunciados pela Mars Express.
Agora, com a entrada das sondas Maven e Mangalyaan na órbita de Marte, esperam-se dados complementares sobre a composição e a história da atmosfera do planeta, e sobre como isso influenciou as condições para a existência de vida.
"A existência de metano em Marte pode indicar a presença de vida ou de um processo geológico ativo,", disse Douglas Galante, pesquisador do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), um dos brasileiros integrantes do grupo da NASA.
"De alguma forma, esse desequilíbrio químico em Marte que estudamos no TDE mostra que, apesar de parecer seco, o planeta é vivo de alguma forma, talvez não com vida como a conhecemos, mas com processos geológicos ativos", avaliou.
Como procurar
Os pesquisadores do TDE desenvolvem há anos uma metodologia para calcular e comparar o desequilíbrio químico nos planetas, a fim de identificar evidências de vida no Universo.
Com base em um sistema de modelagem computacional para simulações astrofísicas criado por astrônomos italianos, o grupo faz análises termodinâmicas (de causas e efeitos de mudanças na temperatura, pressão e volume em um sistema) de como a vida afeta os processos geoquímicos na Terra e verificam se outras atmosferas planetárias são habitáveis ou apresentam desequilíbrios químicos similares.
"Todo o conhecimento, baseado em dados experimentais e observacionais, sobre como surgiu a vida na Terra e como ela evoluiu, pode ser adaptado para procurarmos por vida em outros planetas, como Marte," disse Galante. "Não adianta enviarmos sondas espaciais para um planeta se não soubermos quais indícios, moléculas e desequilíbrios químicos elas devem procurar."