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Será que encontramos mesmo um gêmeo da Lua perto de Marte?

Redação do Site Inovação Tecnológica - 06/11/2020

Será que encontramos mesmo um gêmeo da Lua perto de Marte?
A teoria mais aceita para a formação da Lua fala sobre um impacto gigantesco, que teria arrancado pedaços, mas ela vem sendo contestada pelos dados mais recentes.
[Imagem: NASA/JPL]

Gêmeo da Lua?

Em 2017, uma equipe de astrônomos anunciou a descoberta do que poderiam ser restos de um planeta destruído na órbita de Marte.

Agora a mesma equipe volta às manchetes, com o que seria a "descoberta de um gêmeo da Lua".

Contudo, bem diferente das manchetes, o artigo científico que descreve o trabalho dos astrônomos é bem mais cauteloso, apresentando três hipóteses para justificar suas observações, sendo que "um pedaço da Lua" é claramente mostrado como a menos provável delas.

O corpo celeste em questão é conhecido como 1998 VF31 (101429). Trata-se de um troiano, uma classe de asteroides que segue um corpo celeste - neste caso, Marte - "travado" gravitacionalmente cerca de 60 graus à frente ou atrás de sua órbita.

Espectro lunar

Para observar a composição do VF31, a equipe usou o espectrógrafo X-shooter, montado no telescópio VLT, no Chile, coletando a espectro de refletância do asteroide, um mapa de como ele reflete as diferentes cores da luz solar. Os astrônomos então comparam os dados com os espectros de outros asteroides para ver se o VF31 tem composição similar à de outros corpos celestes rochosos das nossas vizinhanças, ou se é mais parecido com pedregulhos carbonáceos mais distantes, como os encontrados além de Júpiter.

Eles descobriram que o espectro do VF31 não combina bem com nenhum tipo específico de meteorito ou asteroide e, por isso, expandiram sua análise para incluir espectros de outros tipos de superfícies. Para sua surpresa, eles descobriram que a melhor correspondência espectral não era com outros corpos pequenos, mas com a nossa Lua.

"Muitos dos espectros que temos para asteroides não são muito diferentes da Lua, mas quando você olha de perto, há diferenças importantes, por exemplo, a forma e a profundidade das amplas absorções espectrais em comprimentos de onda de 1 e 2 micrômetros. No entanto, o espectro deste asteroide em particular parece ser quase um símbolo de partes da Lua onde há leito rochoso exposto, como o interior de crateras e montanhas," disse o professor Galin Borisov, do Instituto de Astronomia da Bulgária.

Será que encontramos mesmo um gêmeo da Lua perto de Marte?
O espectro de reflexão do asteroide VF31 é muito parecido com o de algumas partes da Lua.
[Imagem: Apostolos A. Christou et al. - 10.1016/j.icarus.2020.113994]

Três hipóteses

Mas o que isso nos diz sobre a origem do asteroide VF31?

O professor Apostolos Christou, do Observatório e Planetário Armagh, no Reino Unido, enumera três hipóteses representando a análise da equipe com base nos dados coletados até agora.

"De onde poderia ter vindo um objeto tão incomum? Uma possibilidade é que o 101429 seja apenas outro asteroide, semelhante talvez aos meteoritos condritos comuns, que adquiriu sua aparência lunar por eras de exposição à radiação solar, um processo denominado meteorização espacial," escreveu ele.

A segunda hipótese é que o asteroide se parece com a Lua porque teria vindo da Lua. "O início do Sistema Solar era muito diferente do lugar que vemos hoje. O espaço entre os planetas recém-formados estava cheio de destroços e as colisões eram comuns. Grandes asteroides - nós os chamamos de planetesimais - estavam constantemente atingindo a Lua e os outros planetas. Um fragmento de colisão assim poderia ter alcançado a órbita de Marte quando o planeta ainda estava se formando e ficou preso em suas nuvens de troianos," disse Christou.

Mas então a equipe apresenta um terceiro cenário, acentuando ser este "o mais provável": O objeto teria vindo do próprio planeta Marte que agora ele segue à distância.

"A forma do espectro do 101429 nos diz que ele é rico em piroxênio, um mineral encontrado na camada externa ou crosta de corpos do tamanho de planetas. Marte, assim como a Lua e a Terra, foi golpeado por impactos no início de sua história, um deles tendo sido responsável pela gigantesca bacia da Borealis, uma cratera tão larga quanto o próprio planeta. Um impacto colossal desses poderia facilmente ter enviado o 101429 em seu caminho para o ponto lagrangiano L5 do planeta," contou Christou.

De fato, outros astrônomos já haviam proposto que companheiros do VF31, um grupo de troianos conhecido como família Eureka, teria sua origem em Marte. Esses asteroides também têm uma composição incomum, mas, enquanto o VF31 é rico em piroxênios, os da família Eureka são constituídos principalmente de olivina, um mineral encontrado nas profundezas de um manto planetário, levando à hipótese de que eles seriam restos de um planeta destruído.

Será que encontramos mesmo um gêmeo da Lua perto de Marte?
Asteroides troianos ficam travados gravitacionalmente em pontos de equilíbrio gravitacional, conhecidos como pontos de Lagrange.
[Imagem: Apostolos A. Christou et al. - 10.1016/j.icarus.2020.113994]

Amostras ou telescópios melhores

Como saber qual é a hipótese que está correta? Somente com uma visita ao asteroide, que possa colher amostras de suas rochas, que poderiam ser então comparadas com amostras da Lua e de outras que sejam porventura coletadas em Marte.

Como essas missões ainda não estão sequer planejadas, tudo o que temos, por enquanto, são hipóteses - ainda que algumas hipóteses sejam mais midiáticas que outras.

O telescópio Vera Rubin, que possui a maior câmera digital do mundo, também poderá ajudar a descartar ou reforçar cada uma das hipóteses, já que permitirá observar os troianos com maior nitidez - além de ajudar a descobrir se a Terra tem seus próprios troianos, que são muito difíceis de se observar porque ficam sempre na linha de visada do Sol.

Bibliografia:

Artigo: Composition and origin of L5 Trojan asteroids of Mars: Insights from spectroscopy
Autores: Apostolos A. Christou, Galin Borisov, Aldo Dell'Oro, Alberto Cellino, Maxime Devogèle
Revista: Icarus - International Journal of Solar System Studies
Vol.: 354, 113994
DOI: 10.1016/j.icarus.2020.113994
Link: https://arxiv.org/abs/2010.10947
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