Com informações das agências Brasil e Fapesp - 17/10/2017
Fusão de estrelas de nêutrons
Pela primeira vez, astrônomos do mundo todo observaram uma fusão de estrelas de nêutrons criando ondas gravitacionais.
A novidade agora é que a detecção das ondas gravitacionais permitiu detectar também a luz emitida pela fusão das estrelas.
O alerta do evento foi emitido - no dia 17 de agosto deste ano - pelos observatórios de ondas gravitacionais LIGO, nos EUA, e VIRGO, na Itália. Cerca de dois segundos depois, o telescópio espacial Fermi detectou uma emissão de raios gama.
Mensagens então foram disparadas para milhares de astrônomos ao redor do mundo, empenhados em um esforço conjunto para fotografar o evento. Eles começaram então a procurar um objeto cujo brilho estivesse decaindo, como deveria ocorrer na teorizada fusão de estrelas de nêutrons.
O objeto foi encontrado na constelação austral de Hidra, provavelmente na galáxia NGC 4993, a 130 milhões de anos-luz da Terra.
Anteriormente, os astrônomos já haviam observado ondas gravitacionais geradas pela fusão de buracos negros, mas o acompanhamento da fusão de duas estrelas de nêutrons é inédito.
Quilonova
A fusão gerou um objeto celeste nunca antes visto, que deverá ser chamado de quilonova.
"Esse é um evento histórico, que traz uma riqueza enorme em várias áreas da astronomia e astrofísica," comemorou a professora Cláudia Mendes de Oliveira, da USP. "Por exemplo, esse objeto que se formou [uma quilonova] tem um brilho decrescente devido ao chamado processo R [processo de captura rápida de nêutrons], de formação de elementos químicos no Universo que não sabíamos como eram formados. São elementos químicos pesados que fazem parte dos planetas, como da própria Terra, elementos que são formados somente nesse momento de fusão de estrelas de nêutrons, algo único que só pode ser estudado com este fenômeno."
Entre os elementos formados na quilonova estão o ouro, a platina e o urânio.
"Sabíamos que existiam esses objetos, mas não sabemos muito sobre eles. Com as novas observações é possível medir o processo R e estimar a quantidade de elementos formados para comparar com modelos," disse Cláudia.
O fenômeno de fusão de estrelas foi acompanhado e investigado ao longo de todo o espectro eletromagnético, em uma campanha com a participação de milhares de astrônomos e mais de 70 observatórios, envolvendo telescópios espaciais e terrestres, que miraram no mesmo ponto na constelação da Hidra. Com tanta gente olhando, este pode ter sido um dos eventos astronômicos mais observados de todos os tempos. "A riqueza da observação foi que esse evento foi visto em diferentes comprimentos de onda, em diferentes frequências, com uma riqueza de dados que ainda vai ser estudada e muitos resultados ainda virão," avalia a professora.
As observações também possibilitarão responder muitas perguntas sobre as próprias estrelas de nêutrons. Como não produzem mais energia interna por fusão nuclear, as estrelas de nêutrons correspondem a um dos possíveis estágios finais da vida de uma estrela de alta massa. Elas são criadas quando estrelas com massas maiores do que oito vezes a massa do Sol sofrem uma explosão de supernova - um evento astronômico que ocorre durante os estágios finais da evolução de algumas estrelas, caracterizado por uma explosão muito mais brilhante do que a observada agora.
O telescópio brasileiro T80-Sul, localizado em Cerro Tololo, no Chile, participou da campanha de observação da fusão de estrelas de nêutrons. O T80-Sul é um telescópio automático de varredura, controlado à distância, o que permitiu que ele fosse apontado rapidamente para o objeto assim que o alerta foi emitido.
O telescópio brasileiro acompanhou e caracterizou a evolução do brilho do objeto em diferentes regiões do espectro visível. O objeto foi observado ao longo de 80 minutos, após 35 horas da fusão de estrelas de nêutrons, no começo da noite de 18 de agosto. "O evento gerou ondas gravitacionais e gerou luz. Assim, pudemos tirar uma imagem do objeto igual às que tiramos com uma máquina fotográfica. Com o telescópio, tiramos uma imagem e isso foi a primeira vez que ocorreu," ressaltou Cláudia. "Ondas gravitacionais já haviam sido detectadas anteriormente, mas foi a primeira vez que se detectou luz ao mesmo tempo que a onda gravitacional."
Ondas gravitacionais
As ondas gravitacionais são ondulações no espaço-tempo geradas por eventos energéticos, como colapsos de núcleos de estrelas ou fusão de buracos negros, por exemplo. O evento foi previsto pela Teoria da Relatividade Geral, formulada por Albert Einstein há mais de 100 anos.
Há até dois anos, elas não tinham sido detectadas, mas em setembro de 2015 o Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferência Laser (LIGO, a sigla em inglês) conseguiu a façanha, o que rendeu o Prêmio Nobel de Física de 2017 aos professores Rainer Weiss, Barry Barish e Kip Thorne.