Redação do Site Inovação Tecnológica - 11/04/2024
Cristal de elétrons
Há cerca de quatro anos, físicos conseguiram sintetizar um cristal formado apenas por elétrons - ainda não sabemos tudo sobre os cristais, mas eles tipicamente são formados por átomos ou moléculas.
Em 1934, o físico húngaro Eugene Wigner [1902-1995, Nobel de Física de 1963] propôs que seria possível criar cristais feitos apenas por elétrons. Para isso, "bastaria" fazer com que a força de repulsão, chamada repulsão de Coulomb, que faz os elétrons se afastarem uns dos outros - elétrons são cargas negativas e cargas iguais se repelem - fosse usada para controlar a energia cinética desses elétrons. Parece fácil, mas foi necessário quase um século para que alguém conseguisse realizar a proeza.
Agora, Yen-Chen Tsui e colegas da Universidade de Princeton, nos EUA, finalmente conseguiram fotografar diretamente o cristal de Wigner, formado inteiramente por elétrons - até hoje só havia indícios indiretos de sua existência.
"Existem literalmente centenas de artigos científicos que estudam estes efeitos e afirmam que os resultados devem ser devidos ao cristal de Wigner," disse o professor Ali Yazdani, coordenador da equipe. "Mas não se pode ter certeza, porque nenhum desses experimentos [anteriores] realmente viu o cristal."
Caixa de ovos eletrônicos
Uma das principais ressalvas aos inúmeros experimentos citados pelo pesquisador, que dizem mostrar indícios do cristal de Wigner, é que os dados podem ser resultantes de imperfeições ou outras estruturas periódicas inerentes aos materiais utilizados nos experimentos.
"Se houver alguma imperfeição, ou alguma forma de subestrutura periódica no material, é possível capturar elétrons e encontrar assinaturas experimentais que não são devidas à formação de um cristal de Wigner ordenado e auto-organizado, mas devido a elétrons 'travados' perto de uma imperfeição ou presos por causa da estrutura do material," explicou Yazdani.
Para resolver o primeiro problema, sobre as imperfeições do substrato onde o cristal de elétrons é criado, a equipe decidiu lançar mão do grafeno, que pode funcionar exatamente como uma "caixa de ovos" onde os elétrons possam ser depositados. Para viabilizar o experimento e tirar as dúvidas, no entanto, isso exigiu tornar o grafeno o mais puro e desprovido de imperfeições possível. Isso não é fácil de se fazer nem nos melhores laboratórios do mundo, mas foi fundamental para eliminar a possibilidade de formação de estruturas devido a imperfeições do próprio grafeno.
Os pesquisadores pegaram duas dessas folhas de carbono monoatômico e as colocaram em uma configuração chamada grafeno bicamada empilhada de Bernal (BLG). Eles então resfriaram a amostra a temperaturas extremamente baixas - apenas uma fração de grau acima do zero absoluto - e aplicaram um campo magnético perpendicular, o que criou um sistema bidimensional de gás de elétrons dentro das finas camadas de grafeno. Com isso, foi possível ajustar a densidade dos elétrons entre as duas camadas ajustando a intensidade do campo magnético.
Fotografia do cristal de elétrons
Faltava então ver diretamente o cristal formado, o que a equipe fez usando um microscópio de varredura por tunelamento (STM), que funciona com base em uma técnica chamada "tunelamento quântico" - em vez de luz - para visualizar o mundo atômico e subatômico.
Esse tipo de microscópio possui uma sonda tão fina que sua ponta metálica tem poucos átomos de diâmetro. Essa ponta é então movida sobre a superfície da amostra e, quando ela passa sobre um elétron, o elétron tunela através do espaço entre seu local de origem e a ponta, criando uma pequena corrente elétrica. O microscópio mede essas correntes, o que neste caso permitiu mapear onde e com que densidade os elétrons estavam posicionados dentro do grafeno. É esse mapa que forma a imagem mais precisa de um cristal de Wigner feita até hoje.
"Em nosso experimento, podemos criar imagens do sistema à medida que ajustamos o número de elétrons por unidade de área," disse Yen-Chen Tsui, responsável pelo experimento. "Apenas alterando a densidade, você pode iniciar esta transição de fase e descobrir que os elétrons espontaneamente se organizam em um cristal ordenado."
Como explica Tsui, isso acontece porque, em baixas densidades, os elétrons ficam distantes uns dos outros, posicionados de forma desordenada e desorganizada. No entanto, à medida que aumenta a densidade, o que aproxima os elétrons uns dos outros, suas tendências repulsivas naturais entram em ação e eles começam a se empurrar para não chegarem mais perto uns dos outros, até formar uma rede organizada. Se a densidade for aumentada ainda mais, a fase cristalina se funde em um líquido eletrônico.
Cristal quântico
Mas não se tratou apenas de tirar uma fotografia: A imagem já apresentou novidades que não apenas exigirão novos estudos, como também abrem perspectivas de uso do cristal de elétrons.
A imagem mostrou que o local onde cada elétron está na rede cristalina aparece nas imagens um tanto borrada, como se a localização do elétron não fosse definida por um ponto, mas por uma faixa de posições, na qual os elétrons estão confinados na rede. A equipe descreveu isso como o movimento dos elétrons no "ponto zero", um fenômeno relacionado ao princípio da incerteza de Heisenberg.
A extensão desta indefinição reflete a natureza quântica do cristal de Wigner, o que o torna ainda mais interessante. "Os elétrons, mesmo quando congelados em um cristal de Wigner, devem apresentar um forte movimento do ponto zero," disse Yazdani. "Acontece que este movimento quântico cobre um terço da distância entre eles, tornando o cristal de Wigner um novo cristal quântico."