Com informações da Agência FAPESP - 12/01/2015
Astrofísica de Partículas
A comunidade de pesquisa em astrofísica de partículas na América do Sul receberá importantes reforços de infraestrutura para a realização de experimentos nessa área interdisciplinar, voltada ao estudo dos raios cósmicos de ultra-alta energia - as partículas subatômicas mais energéticas conhecidas na atualidade, de origem ainda incerta.
O maior observatório de raios cósmicos do mundo, o Observatório Pierre Auger - instalado na província de Mendoza, na Argentina, e com importante participação do Brasil - vai passar por um programa de atualização até 2018.
Já em 2015 também será feita a escolha do país-sede, no hemisfério Sul, do Cherenkov Telescope Array (CTA) - que deverá ser o maior observatório do mundo dedicado ao estudo de corpos celestes que emitem radiação gama, de mais alta energia.
Além disso, está sendo discutida a construção do Túnel Água Negra (Agua Negra Deep-Underground Experiments Site - Andes) - o primeiro laboratório subterrâneo da América Latina, projetado para ser construído anexo a um túnel rodoviário que será escavado na fronteira andina entre Argentina e Chile, para realização de experimentos em diversas áreas, incluindo a Astrofísica de Partículas.
Origem dos raios cósmicos
"O momento é propício para tentarmos criar um plano de investimentos e de pesquisa, levando em conta questões científicas importantes que podemos responder com a construção desses projetos", comenta o professor Luiz Vitor de Souza Filho, do Instituto de Física da USP de São Carlos (IFSC).
Entre as questões científicas apontadas pelo pesquisador estão a origem dos raios cósmicos de ultra-alta energia e o tipo de partículas subatômicas que chegam à Terra com energias macroscópicas da ordem de 1018 elétron-volts (eV) - um bilhão de bilhões eV.
O Observatório Pierre Auger permitiu observar nos últimos 10 anos dezenas de raios cósmicos acima de 1020 eV e foi muito bem-sucedido nesse propósito, mas ainda não permitiu identificar totalmente as fontes desses raios cósmicos de energia ultra-alta.
"Medimos várias propriedades dos raios cósmicos, mas ainda não conseguimos localizar a fonte ou fontes deles. E não sabemos exatamente se as partículas que chegam à Terra são puramente prótons ou núcleos atômicos mais pesados, ou ainda uma mistura deles", afirmou Luiz Vitor.
Chuveiro atmosférico
De acordo com pesquisadores da área, um dos desafios para identificar a fonte e a composição dessas partículas - os raios cósmicos não são realmente raios, mas partículas - vindas do espaço é que elas são medidas de forma indireta.
Quando uma partícula cósmica ultraenergética atinge a atmosfera terrestre, ela colide com um núcleo atômico do ar, produzindo novas partículas que, por sua vez, também colidem e interagem, em um efeito multiplicativo em cascata, formando um chuveiro atmosférico extenso, constituído de um bilhão de partículas ou mais.
O Observatório Auger estuda os raios cósmicos ultraenergéticos que chegam até a Terra medindo esses chuveiros atmosféricos extensos produzidos por eles na atmosfera. A expectativa é que o programa de atualização pelo qual o Observatório Auger deve passar permita responder a essas questões ao melhorar consideravelmente a resolução dos detectores de partículas do observatório.
Cada uma das várias propostas de atualização que estão sendo analisadas envolve uma técnica diferente para a identificação de múons - partículas subatômicas ultraenergéticas presentes nos chuveiros atmosféricos - e requer combinações diferentes de novos produtos eletrônicos, novos detectores e modificações internas nos 1,6 mil detectores do observatório.
Espalhados por uma área de 3 mil km2, em uma região plana ao lado dos Andes, os detectores são tanques de polietileno com 12 mil litros de água purificada e instrumentalizados com sensores fotomultiplicadores. Quando as partículas de um chuveiro atmosférico atravessam a água no interior do tanque é emitida luz que pode ser medida nos sensores.
As propostas de atualização do observatório preveem a adição de novos detectores de múons nos chuveiros identificados. Mas antes de instalar esses novos sensores, a um custo estimado de US$ 15 milhões, é necessário avaliar se eles realmente funcionam, o que está sendo feito em protótipos em escala de laboratório.
Observatório de raios gama
No início de 2015 também será escolhido o país-sede no hemisfério Sul do CTA - consórcio internacional formado por 28 países, entre eles o Brasil - que pretende construir, até 2020, o maior observatório astronômico do mundo dedicado ao estudo de objetos astrofísicos que emitem raios gama.
O observatório contará com cerca de 100 telescópios que serão instalados em dois lugares distintos, um no hemisfério Sul e outro no Norte.
No hemisfério Sul, os países candidatos a sediar o observatório são o Chile e a Argentina, na América Latina, e a Namíbia, na África.
Segundo Luiz Vitor, a ideia inicial é construir um conjunto de sete telescópios - que formarão um arranjo embrionário do observatório, denominado CTA Mini- Array - em torno do qual o restante do observatório será posteriormente construído. Dos sete primeiros telescópios três serão construídos pelo Brasil com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
Túnel científico
A outra iniciativa de pesquisa em astrofísica de partículas na América do Sul é a construção do laboratório subterrâneo profundo Andes.
A ideia é construir o laboratório anexo a um túnel rodoviário de 14 quilômetros de extensão que Argentina e Chile pretendem escavar sob a Cordilheira dos Andes, para facilitar o acesso dos países da América do Sul ao Oceano Pacífico.
O projeto do laboratório subterrâneo prevê a instalação de diversos equipamentos para estudos em diferentes áreas, como de um grande detector capaz de identificar neutrinos de baixa energia e geoneutrinos - neutrinos produzidos pela decomposição de produtos radioativos na Terra, como potássio, urânio e tório, que se estima tenham grande relevância no balanço de calor da Terra.
O túnel seria o lugar propício para a medição dessas partículas, e poderia ajudar a lançar novas luzes sobre os hipotéticos neutrinos superluminais, que poderiam superar a velocidade da luz.
"O Andes possibilitaria a realização de experimentos, em diferentes áreas, que necessitam de baixo nível de radiação, como medições de matéria escura e de neutrino," explicou Luiz Vitor.
Até o momento, apenas Argentina, Brasil, México e Chile têm-se empenhado no projeto, que busca a adesão de outros países para sua viabilização.