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Falta de cientistas atrapalha desenvolvimento da Amazônia

Fábio de Castro - Agência Fapesp - 30/11/2010


Doutores para a Amazônia

A Amazônia legal brasileira tem um território que corresponde ao de 32 países da Europa ocidental, mais de 20 milhões de habitantes e concentra a maior parte da biodiversidade do planeta.

Mas a grandiosidade da região não corresponde, nem de longe, à estrutura de pesquisa científica e tecnológica ali existente.

De acordo com Adalberto Luís Val, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), estima-se que apenas 4 mil doutores atuem em toda a Amazônia nas diversas áreas de pesquisa.

Um efetivo menor do que o da Universidade de São Paulo (USP), que possui mais de 5 mil doutores em seus quadros.

Estrutura científica amazônica

Em entrevista à Agência FAPESP, Val falou sobre a magnitude da carência de recursos humanos na área de ciência e tecnologia na Amazônia, que, segundo ele, é um dos principais obstáculos ao desenvolvimento da região.

A solução para o problema, segundo ele, passa pelo incremento da estrutura científica na região e pelas políticas de atração e fixação de mão-de-obra científica, que, por sua vez, estabelecerá a base para a formação de novos quadros na própria Amazônia.

Esse círculo virtuoso, no entanto, exigirá vontade política e uma articulação interministerial bem planejada.

Biólogo, Val pesquisa no Inpa, desde 1981, a respiração e as adaptações dos peixes da Amazônia às modificações do meio ambiente, tanto aquelas de origem natural como as causadas pelo homem. Membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e do corpo editorial de várias revistas científicas, tem mais de 80 artigos publicados em periódicos do Brasil e exterior.

Qual a dimensão da carência de recursos humanos em ciência na Amazônia?

Adalberto Luís Val - Em 2009, coordenei o grupo que montou o documento Amazônia: Desafio brasileiro do século 21, lançado pela Academia Brasileira de Ciências, que continha proposta para um novo modelo de desenvolvimento da região.

Ali, foi feito um dimensionamento da carência de mão-de-obra científica na Amazônia, que foi considerado um dos entraves fundamentais para o desenvolvimento. Para se ter uma ideia, o Brasil está formando a cada ano cerca de 11 mil doutores, mas toda a região amazônica tem atualmente apenas 4 mil doutores trabalhando em pesquisa.

É muito pouco, infelizmente, considerando que os nove estados da Amazônia correspondem a 60% do território nacional e a 10% do PIB nacional. A USP, sozinha, tem mais de 5 mil doutores. A demanda na região amazônica é imensa e urgente.

Qual seria a melhor alternativa para reverter esse quadro?

Val - Temos convicção de que há várias alternativas para resolver essa questão. No entanto, nenhuma delas isoladamente pode dar conta do problema.

O primeiro ponto em que temos que pensar é na montagem de uma estrutura de capacitação de mão-de-obra na própria Amazônia. É preciso capacitar e fixar pessoal na região.

Não podemos, por outro lado, relegar a Amazônia à sua própria sorte. Temos que montar um sistema nacional capaz de atender a toda essa demanda. Uma campanha para inserir a Amazônia no Sistema de Ciência e Tecnologia do Brasil de forma efetiva.

O ideal é trazer gente de outras regiões para a Amazônia, ou é preciso formar pessoal no próprio contexto regional?

Val - Os dois pontos são importantes. Aumentar a quantidade de gente formada na Amazônia é essencial para facilitar a fixação de pessoal. Por outro lado, temos que trazer recursos humanos de fora para acelerar a formação dessa mão-de-obra local.

É preciso levar mais recursos financeiros para a região também? Val - Sem dúvida é necessário investir, mas - isso é muito importante - não adianta despejar uma determinada quantidade de recursos na região e achar que o problema vai se resolver só com isso. Porque falta gente. Sem gente qualificada, não conseguiremos dar conta da demanda por pesquisa na região, mesmo que tenhamos recursos financeiros.

É preciso fazer as duas coisas. Como eu disse, não há nenhuma ação capaz de resolver o problema isoladamente.

É possível fazer isso em pouco tempo?

Val - Sim, contanto que exista um modelo de desenvolvimento bem planejado. Temos que fazer a coisa da forma correta. Por exemplo: é preciso evitar ações pontuais, que não se perenizam.

Uma das nossas maiores necessidades é atrair e fixar recursos humanos na Amazônia. Mas, para fazer isso, esses recursos devem ser atraídos para uma estrutura organizada em grupos.

Não temos nenhum programa na Amazônia, por exemplo, na área de farmacologia. Seria importante trazer, digamos, dez excelentes fármacos, que pudessem capacitar projetos na região. Isso teria que ser feito dentro de um programa.

Existem políticas públicas sendo implementadas nesse sentido?

Val - Na questão da formação, sim. As políticas estão sendo implantadas. A Capes e o CNPq têm programas para isso. Mas é necessário fixar os recursos humanos com estratégias mais amplas.

Não adianta apenas distribuir bolsas, porque, quando a bolsa acaba, o pesquisador quase sempre vai embora. Para contornar essa situação, temos que abrir concursos públicos e contratar pessoal. Caso contrário, o pesquisador que completou o período da sua bolsa acaba passando em concursos em outros centros com mais oferta e vai embora.

É em consequência dessa dinâmica que temos tão poucos doutores na Amazônia. Isso só vai mudar se houver vontade política.

Que impactos a carência de recursos humanos tem nas atividades do Inpa, por exemplo?

Val - No Inpa, temos desenvolvido várias alternativas para pesquisa associada à inclusão social e geração de renda com base em produtos da floresta. Com isso, conseguimos gerar renda para a população e, assim, manter a floresta em pé.

Por exemplo, desenvolvemos piscicultura em canais de igarapé, novas tecnologias para diagnósticos de doenças tropicais - como a leishmaniose -, a produção de pigmentos para tingir couro de peixe que não agridem o meio ambiente e uma série de outras atividades. Desenvolvemos essas tecnologias para disponibilizar para o mercado.

Você pode ver no site do Inpa que conseguimos muitas patentes e muitos produtos. Mas, para que essa experiência seja multiplicada, necessitamos de mais pesquisadores. De modo geral, a Amazônia tem uma grande carência de conhecimento. Precisamos, por exemplo, planejar alternativas para produção de energia elétrica com redução de danos ambientais.

Os programas brasileiros para isso envolvem a construção de muitas hidrelétricas. Mas onde construí-las? Com mais pesquisa científica, poderíamos saber onde os impactos ambientais seriam menores. Há infinitos exemplos.

De quem deveria partir a iniciativa para organizar essas políticas públicas que ainda fazem falta?

Val - Na realidade, isso passa por vários ministérios. O mais importante é que precisa ser uma ação integradora, capaz de articular ações em vários ministérios: Ciência e Tecnologia, Educação, Meio Ambiente, Saúde, Exército, Minas e Energia...

O que precisamos é ter um órgão que centralize as ações de todos esses ministérios para formular uma ação conjunta, única. Caso contrário, cada um dos ministérios vai puxar as iniciativas para um caminho diferente. Os interesses são bastante divergentes e é preciso ter um espaço definido para dialogar.

A Reunião da SBPC de 2009, realizada em Manaus, concluiu que investir em ciência na Amazônia é uma prioridade e, para isso, seria preciso estabelecer parcerias entre comunidade científica, institutos de pesquisas, sociedade civil organizada, setor privado, governo e cidadãos. Desde então houve avanços nesse aspecto?

Val - Desde a Reunião da SBPC tivemos algum progresso, mas um progresso ainda tímido, porque o tamanho da necessidade é descomunal, muito maior do que tudo o que fizemos.

Tivemos um resultado prático, que foi a criação da Universidade Federal do Leste do Pará, com a contratação de novos professores, com gente nova que veio de fora, seguindo a diretriz que estamos comentando. Acredito que a solução passa por aí, mas precisamos de várias dessas universidades e de uma grande quantidade de Institutos de Tecnologia na região - que teriam a função de transformar em novos produtos e processos a informação científica produzida na universidade. Por enquanto, a evolução está sendo muito tímida.

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